Órgãos do governo não cumprem reserva de 20% para negros em concursos públicos

14 de setembro, 2015

(O Globo, 14/09/2015) Entidades detectam falsidade na autodeclaração dos candidatos, o que prejudica os negros nesses concursos

Pouco mais de um ano após sua entrada em vigência, a lei que obriga a reserva de 20% das vagas em concursos públicos federais para negros não está sendo cumprida pelos órgãos do governo. Levantamento da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) identificou que editais de 26 concursos realizados entre setembro de 2014 a abril de 2015 não destinam essa previsão obrigatória. Nas 2.344 vagas ofertadas em cargos de nível superior, foram reservadas 338 vagas para negros. Esse número representa 14,4%. Nos cargos de nível médio, foram oferecidas 1.833 vagas e, destas, 300 para negros. O que representa 16,4%.

Se considerar os concursos de universidades e institutos federais, essa proporção piora. Nessas instituições, foram ofertadas 1.143 vagas – níveis superior e técnico – e destinadas apenas 88 vagas para negros. Apenas 7,7%. O levantamento da Seppir cita ainda as Forças Armadas e constatou que nos concursos da Marinha os 20% são aplicados, o que não se repete na Aeronáutica e Exército.

A Seppir é responsável pelo acompanhamento e aplicação da lei, que se dá pela Secretaria de Políticas de Ações Afirmativas. Uma nota técnica elaborada pela secretaria aponta alguns problemas na aplicação da lei e traz esses números do descumprimento da lei.

Uma audiência pública realizada nesta segunda-feira na Comissão de Direitos Humanos,no Senado, discutiu as fraudes no sistema de cotas. Há críticas de que tem aumentado os casos de brancos, que se autodeclaram pretos ou pardos, e, assim, conseguem ingressar nessas vagas nos concursos. A autodeclaração é o critério usado no processo de classificação racial. O próprio indivíduo declara sua identidade racial. O frei David Santos, diretor da Educafro, criticou a falta de fiscalização do governo.

— O índice de fraudes é muito grande. De modo geral, as universidades e os organizadores de concurso público não estão levando a sério a averiguação [da autodeclaração]. Precisamos que o governo crie mecanismos para punir os fraudadores e evitar novos casos — defendeu Frei David.

O desembargador Paulo Sérgio Rangel, do Tribunal de Justiça do Rio, defendeu a criação de um tipo penal para quem burla as regras das cotas.

— Temos que ter um tipo penal específico para esta questão, para servir de aviso àqueles que querem burlar o sistema de cotas. Precisamos estabelecer critérios rígidos para punir os que fraudarem esse projeto social — defendeu Rangel.

A nota técnica da Seppir trata da falsidade da declaração e diz que a lei não estabelece mecanismos sobre como, quem, com que instrumentos e em que momento do processo será averiguada se a autodeclaração é verdadeira ou falsa. A legislação também não prevê a atuação de um comitê de seleção, com atribuição de selecionar a priori ou verificar a autodeclaração do candidato. O documento diz apenas que a lei não veda a criação desses comitês e diz que as instituições podem agira diante de denúncias de suspeita de falsidade de autodeclaração.

Evandro Éboli

Acesse o PDF: Órgãos do governo não cumprem reserva de 20% para negros em concursos públicos (O Globo, 14/09/2015)

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