Participantes de audiência cobram condições dignas para cotistas nas universidades

03 de abril, 2017

As condições de permanência de estudantes cotistas nos cursos ofertados pelas universidades federais foram avaliadas em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, nesta segunda-feira (3). A conclusão é a de que não basta ter política de cotas para garantir o ingresso de jovens com origem em extratos mais pobres e discriminados da população, mas também assegurar condições para possam viver e estudar com dignidade.

(Agência Senado, 03/04/2017 – acesse no site de origem)

A audiência pública foi proposta pela senadora Regina Sousa, também presidente da CDH, responsável ainda por dirigir os trabalhos. A audiência, que teve com o tema “Cotas nas universidades e o compromisso com a permanência”, contou com a participação de reitores, representante do Ministério da Educação e de movimentos de defesa da população negra. Da plateia, jovens militantes gritavam palavras de ordem a favor das políticas afirmativas e por assistência aos cotistas.

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Cotas ajudam a combater racismo e promover igualdade, afirmam convidados de audiência (Agência Senado, 03/04/2017)
Regina Sousa defende permanência de política de cotas nas universidades (Agência Senado, 03/04/2017)

Dados do Ministério da Educação mostram que, em 2016, o equivalente a 51% das mais de 243 mil vagas ofertadas pelas universidades e institutos de educação federais foram destinadas a alunos cotistas vindos de escolas públicas, com base em critérios que em parte incluem ainda a renda familiar, além da participação de negros, pardos e indígenas na população de cada estado. Pelo perfil, a maioria dos cotistas necessita de diferentes modalidades de assistência, como moradia, alimentação e mesmo apoio pedagógico. No entanto, por falta de recursos, as universidades restringem o acesso aos programas.

Dinheiro na conta

Frei Davi Santos, diretor-executivo da instituição Educafro, apelou ao Ministério da Educação para a concessão automática da oferta de “bolsas permanência” a todos os alunos que ingressem nas instituições federais de ensino pelas cotas. Também cobrou que as bolsas sejam pagas diretamente na conta bancária do aluno, sem passar pelo orçamento das universidades, como já acontece com cotistas indígenas e quilombolas. Por terem outras urgências, afirmou, as instituições acabam desviando os recursos para outras áreas. Segundo ele, os alunos em situação mais difícil são os cotistas oriundos de famílias com renda per capita inferior a um salário mínimo e meio.

– O Ministério da Educação sabe que esses alunos passaram pelo processo de baixa renda, mas permite que as universidades os humilhem com pedido de caminhões de documentos para se candidatarem às bolsas – afirmou, frisando que a maior parte dos pedidos é negada.

Frei Davi disse que há casos de moças e rapazes que se prostituem para poder continuar estudando. Ele chamou alguns estudantes cotistas para relatar os problemas que enfrentam para estudar, um deles um rapaz que, sem acesso a alojamento ou auxílio-moradia, gasta até quatro horas entre sua casa e a universidade. Outra moça emprega parte do tempo que seria para os estudos fora de aula vendendo bombons em vagões do metrô no Rio de Janeiro.

Não ao silêncio

O reitor da Universidade Federal do Rio de Rio de Janeiro (UFRJ), Alberto Leher, destacou que o tema da assistência aos estudantes não pode mesmo ser “silenciado”. Ele observou que nos últimos anos houve uma mudança radical no perfil socioeconômico dos alunos que entram na universidade e que a maioria enfrenta condições de vida adversa. De acordo com reitor, foi verificado que 81% do total de estudantes dentro das cotas são de famílias com renda per capita que não chega a um salário mínimo mensal.

Quanto aos recursos recebidos do Ministério da Educação para assistência aos cotistas, via Programa Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes), ele esclareceu que as verbas não se destinam apenas aos diferentes tipos de bolsa. Em tese, explicou, os recursos podem ser aplicados também em investimentos, como construção de alojamentos e restaurantes, o que não pode ser visto como desvio de finalidade. Mas esclareceu que não há dinheiro nem para as bolsas, e que, por isso, as verbas para construção de restaurante e moradias precisam vir de outras rubricas orçamentárias.

O representante do Ministério da Educação , Vicente de Paula Almeida Junior, diretor de Políticas e Programas de Graduação, afirmou que a pasta opera dois programas de assistência, o Pnaes e o Bolsa Assistência, com orçamentos crescentes ano a ano. No caso do Pnaes, em que o repasse é feito para as universidades, os recursos saltaram de R$ 843 milhões em 2015, para R$ 987 milhões esse ano. As bolsas permanência são pagas diretamente a cotistas quilombolas e indígenas. O orçamento evoluiu de R$ 13,7 milhões, em 2013, para R$ 127 milhões em 2017.

– Temos feito esforço enorme, com mediação do ministro Mendonça Filho, para garantir a continuidades dos programas. Sabemos que sem isso os estudantes não podem estudar com tranquilidade – disse.

Fraudes

Houve também na audiência cobrança de medidas, por parte do Ministério da Educação e das universidades, com o objetivo de evitar fraudes que estão permitindo o acesso às cotas por estudantes que se declaram falsamente como negros ou pardos. O reitor da Universidade Federal de Pelotas (RS), Pedro Curi Hallal, disse que a instituição começou a enfrentar esse problema, cancelando recentemente a matrícula de 24 alunos de Medicina. Explicou, contudo, que a questão foi judicializada, e por isso a universidade está sendo rotineiramente obrigada a justificar as razões da medida.

Sobre a questão das bolsas de permanência, o reitor de Pelotas confirmou que os recursos são escassos. Aproveitou, porém, para dizer que a política de permanência tem sido focada mais na parte assistencial, enquanto deveria se estender também ao campo das bolsas acadêmicas. A seu ver, os critérios de cotas devem se estender também à concessão, por exemplo, de bolsas de iniciação científica e até mesmo às vagas de pós-graduação. Em Pelotas, o Conselho Universitário está para decidir sobre esse ponto.

Marcelo Conti de Souza, do Movimento Negro Unificado, salientou que o Brasil adota o “racismo mais sofisticado do mundo”. A seu ver, a própria fragilidade da política de permanência para os cotistas é por si só um mecanismo de exclusão, podendo inviabilizar a continuidade dos alunos nos seus cursos. Também criticou a omissão diante das fraudes cometidas por quem se intitula pardo para tirar vagas dos verdadeiros detentores das vagas pelas cotas. Disse que isso ocorre por conta “da implantação laisssez faire” dessa política pública.

Agência Senado

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