(Folha de S. Paulo, 06/04/2015) Pela primeira vez, o número de empreendedores negros superou o de brancos no Brasil. Pesquisa feita pelo Sebrae aponta que, entre 2002 e 2012, o percentual de micro e pequenos empresários que se autodeclaram pretos ou pardos subiu de 44% para 50%.
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A mudança reflete transformações econômicas e culturais. A ascensão da chamada nova classe C –80% negra, segundo estudo da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência– significou tanto a expansão do mercado consumidor como do empresariado negro.
Culturalmente, essa ascensão traduziu-se em demandas por produtos e serviços específicos para esse público.
“Eu acho que tem muita relação com as ações afirmativas. Isso se reflete na economia, porque [o negro] vai atrás de produtos que reafirmem essa identidade”, avalia Adriana Barbosa, 37.
Ela é a idealizadora da Feira Preta, evento anual que reúne empreendedores negros. “Para além do contexto histórico, a feira foi uma oportunidade de empreender em um mercado no qual víamos potencial para crescer.”
Para Luiz Barretto, presidente do Sebrae, a segmentação é uma aposta acertada. “Nós devemos explorar as oportunidades [que vêm] dessas diferenças”, afirma.
Foi a participação na Feira Preta que convenceu Cristina Mendonça, 57, e Ana Paula Xongani, 27, de que existia mercado para o negócio de roupas e acessórios com estética afro-brasileira.
Mãe e filha são donas da Xongani, loja que vende peças produzidas com tecidos importados de Moçambique.
“Vimos que havia carência no mercado para essa população que quer um referencial de negritude”, diz Xongani, que enxerga seu trabalho como forma de militância.
LONGO CAMINHO
Embora maioria, os empreendedores negros concentram-se em negócios pequenos e em ramos de menor lucratividade, como agrícola e construção, enquanto os brancos predominam em indústria de máquinas e serviços de saúde (veja abaixo).
A renda média dos negros empreendedores melhorou, mas a dos brancos continua 116% maior (em 2002, a diferença era de 134%) e, dizem os próprios empreendedores, o acesso a crédito bancário ainda é um desafio.
Xongani conta que ela e a mãe economizaram por dois anos para conseguir financiar a importação dos tecidos, porque não conseguiram financiamento em bancos.
“As pessoas não acreditam no nosso negócio porque não conhecem, não veem o valor que nosso trabalho tem. É um racismo institucional.”
Patrícia de Jesus, 35, também tem problemas de acesso a crédito. Ela é dona da empresa de recursos humanos Empregueafro, que tem entre os clientes empresas de grande porte, como o Carrefour.
A empresária faz parte do Projeto Brasil Afroempreendedor, uma parceria entre o Sebrae e o Instituto Adolpho Bauer para capacitar 1.200 empreendedores negros em 12 Estados no desenvolvimento de seus negócios.
“A maior parte dos afroempreendedores ainda é de pessoas pequenas e com sonhos pequenos, porque não se veem com a possibilidade de galgar grandes fatias de mercado”, diz Adilton de Paula, coordenador do projeto.
Para ele, alcançar a igualdade racial passa também por criar uma elite econômica negra. “Nós temos que criar uma elite de sucesso para dizer ‘nós também podemos’. Há uma barreira cultural [que diz o contrário]”, afirma.
Fernanda Perrin