Hoje é Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e o objetivo é intensificar os laços das mulheres negras e a luta pelo fim das opressões estruturais de gênero, raça e classe
(Revista Trip, 25/07/2017 – acesse no site de origem)
As mulheres negras construíram, ao longo de sua história, importantes eixos de luta e transformações teóricas. E isso tem como elemento central a pluralidade de existências e pauta-se contra universalidades. Somos diversas e complexas, portanto, sentimos as opressões de modos variados.
Hoje, 25 de julho, é celebrado o Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-americana e Caribenha. A data foi definida em 1992, no 1º Encontro de Mulheres afro-latino-americanas e caribenhas realizado em Santo Domingo, na República Dominicana, para intensificar os laços das mulheres negras pelo continente e como marca da resistência pelo fim das opressões estruturais de gênero, raça e classe.
No Brasil, a data também celebra o dia Tereza de Benguela, em lei sancionada pela Presidenta Dilma Rousseff em 2014. Tereza viveu no século 18 e foi uma importante líder quilombola que lutou por mais de duas décadas contra as investidas do colonialismo português. Neste sentido, a data ganha novos contornos ao demonstrar a liderança de mulheres negras em defesa de suas comunidades.
Tereza de Benguela
Por isso, é muito bem-vindo, neste mês, o lançamento de Mulheres, Cultura e Política (Boitempo Editorial), de Angela Davis – que está no Brasil e fala sobre feminismo negro hoje, em Salvador. O livro, uma compilação de diversos artigos, palestras e discursos, passa por temas necessários, como a denúncia da violência sexista e os estupros sofridos por mulheres, e as implicações disso na vida das mulheres negras.
Davis problematiza o fato de as mulheres se sentirem responsáveis por uma violência absolutamente pautada por uma relação de poder e controle que os homens querem exercer sobre elas. E diz: “Os motivos que levam homens a estuprar com frequência surgem de sua necessidade socialmente imposta de exercer poder e controle sobre as mulheres por meio da violência”. Ela ainda estabelece o paralelo da relação entre estupro e tortura, em como esta violência é utilizada como arma de guerra e foi muito utilizado por senhores de escravos sobre mulheres negras escravizadas.
Mulheres, Cultura e Política também aborda a necessária atenção à saúde das mulheres negras, principalmente a saúde mental, sendo elas cada dia mais dependentes de psicofármacos em uma relação histórica que nos liga a histerias e doenças mentais.
No eixo de questões internacionais, Davis traz uma belíssima homenagem para Winnie Mandela e defende a resistência do Congresso Nacional Africano na luta contra o apartheid em África do Sul. O texto traz este importante elemento de liderança das mulheres negras em contextos de luta e resistência.
E, por fim, mas sendo o primeiro texto do livro, Davis apresenta a estrutura das ideias fundantes do movimento de mulheres negras sobre o empoderamento. Para ela, o conceito envolve estratégias coletivas de luta e libertação do povo reafirmando que se empoderar significa ‘subir todas juntas’. Neste sentido, o empoderamento e a construção de luta das mulheres negras devem manter uma postura revolucionária.
Contexto maior
Tem ganhado força a compreensão de que racismo e machismo são estruturantes no sistema capitalista. Não se trata apenas da apropriação do capital dessas estruturas opressoras, mas da relação dessas opressões, e que as lutas, tanto para o fim delas quanto para acabar com o sistema de exploração capitalista, devem perpassar toda a construção política e estratégica dos projetos das esquerdas latino-americanas.
Neste sentido, o pensamento e ativismo de Angela Davis emerge como estrutura teórica e política: filósofa e professora do departamento de estudos feministas da Universidade da Califórnia, Davis é uma referência na luta por direitos civis, igualdade entre homens e mulheres, lutas anticapitalistas e, fundamentalmente, contra o encarceramento em massa e pelo abolicionismo penal.
Para ela, o movimento de mulheres negras traz uma crítica global e sistêmica das opressões e, ao interseccioná-las, jamais dispensa a crítica à dominação classista, racista e machista. Mulheres negras sempre foram trabalhadoras, seja como corpo escravizado, seja no pós-abolição como lavadeiras, domésticas. É um legado da escravização e ponto necessário para pensarmos a subalternidade histórica à qual elas foram e são submetidas.
Compreender estas diferenças não significa, e Davis ressalta isto no conjunto de sua obra, fragmentar os movimentos — muito pelo contrário. Entender estas diferenças é um ponto central para estabelecermos parâmetros reais para a construção de uma nova condição social das mulheres. Como não levar em conta que 52% da mão de obra doméstica no Brasil é exercida por mulheres negras? Apresentar esta indagação não significa pautar-se por lutas identitárias, mas por deslocar as relações para o bem humano, em contraponto ao bem do lucro. Essa questão, no mínimo, coloca em dúvida a estrutura capitalista.
Juliana Borges é pesquisadora em Antropologia na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, onde cursa Sociologia e Política. Foi Secretária Adjunta de Políticas para as Mulheres da Prefeitura de São Paulo (2013).