A professora Patricia Anunciada fala sobre apropriação cultural e a importância do ensino da cultura afro-brasileira nas escolas.
(Revista Claudia, 28/11/2016 – acesse no site de origem)
No dia 20 de novembro é celebrado o Dia da Consciência Negra. Para reforçar a importância dessa data, neste mês, CLAUDIA procurou mulheres negras formadoras de opinião e militantes da causa para discutir temas como apropriação cultural, racismo e representatividade. Como resultado, lançamos uma série de entrevistas sobre a importância de se debater cada vez mais as questões raciais no Brasil.
Patricia Anunciada é professora de português e inglês em duas escolas da rede pública de ensino de São Paulo. Tem orgulho do cabelo afro, dos traços negros e dos estudos em Literatura Afro-brasileira. “Mas nem sempre foi assim”, ela conta. Dois acasos mudaram sua vida: há 10 anos, ao se submeter a um procedimento químico, seu cabelo caiu: “Prometi que nunca mais faria isso comigo e passei a tratar os fios com naturalidade”.
O outro acaso foi ter encontrado a pesquisa de Nilma Lino Gomes – pedagoga e ex-Ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – sobre estética negra. “Mudou minha mentalidade e meu olhar”, diz. Tanto nas aulas para o Ensino Fundamental quanto para o Ensino Médio, Patricia faz questão de abordar a questão racial para que seus alunos não precisem de casualidade para que suas vidas mudem. Para ela, a chave está na Educação.
CLAUDIA: Para você, como a beleza negra é vista nas escolas?
Patricia Anunciada: Quando eu era adolescente, eu tinha vergonha dos meus traços e do meu cabelo, eu queria me esconder. Ainda percebo essa tentativa nas escolas. Vejo meninas alisando o cabelo, colocando gel, prendendo os fios. Mas também identifico uma mudança sobre o entendimento da própria beleza. Algumas garotas falam que querem ter o cabelo como o meu, me perguntam quais produtos eu uso, onde corto o cabelo. Hoje tenho orgulho da minha beleza e fico feliz quando isso inspira outras mulheres a se reconheceram. Porque não é só uma questão de estética, é um ato político.
E a cultura negra é abordada no ensino básico?
Temos raízes negras e muitos alunos negros nas escolas públicas, mas foi preciso uma lei para obrigar o estudo da história e da cultura afro nas instituições. Estamos desenvolvendo projetos e recebendo livros sobre temas raciais e cultura africana. Isso faz diferença para os alunos.
Como você enxerga o espaço da cultura negra no Brasil hoje?
Infelizmente, ela continua ligada ao periférico. A produção artística é grande em lugares como Capão Redondo, onde há um predomínio da população negra. A poesia, por exemplo, é rica e difundida em saraus. Tem o Sarau do Binho, da Cooperifa e do Fala Guerreira! (formado apenas por mulheres). Mas, aos poucos, isso vai sendo mais conhecido em eventos fora dessas áreas e pela internet. É o caso das poetizas Jennyfer Nascimento e Elizandra Souza, e dos poetas Sérgio Vaz e Allan da Rosa.
Ao mesmo tempo que a cultura negra é afastada, ela é incorporada à cultura branca de certa forma. Você acha que há uma apropriação nisso?
Sim, diversos símbolos da cultura negra estão em alta, mas nas mãos de pessoas brancas. O problema é que eles estão sendo mercantilizados e estão perdendo seus significados. A religião afro-brasileira virou quase que um estudo antropológico, algo exótico. Iemanjá teve a pele clareada, o acarajé está sendo conhecido como bolinho de Jesus e o turbante virou um simples acessório. O turbante é uma peça histórica, religiosa e de empoderamento feminino. E pior, a população negra está sendo diminuída por fazer uso desses símbolos. Eu já sofri preconceito por estar usando um turbante e vejo o preconceito contra negros de tranças, rastafáris e dreads. As pessoas se sentem no direito de atacá-los e diminui-los. Quando está na cabeça de alguém branco é “estiloso”. São dois pesos e duas medidas para coisas iguais.
Como podemos mudar isso?
É preciso que as pessoas reflitam sobre o assunto. Há uma falha na educação. Precisamos educá-las para que respeitem esses símbolos e também entendam a religião afro como algo sagrado. Não só em novembro, o ano todo. Mas é difícil trabalhar com isso e ter o apoio do poder público e da sociedade. Há um oposicionismo que dificulta a entrada das religiões negras nas escolas, por exemplo. Precisamos abordar esses temas, dialogar a respeito.
E na Literatura, sua área de estudo, como a questão é tratada?
Falta representatividade. Curiosamente, a maioria dos autores que escreve livros com temáticas negras é branco. E isso traz o problema da reprodução estigmatizada. Muitos se apropriam do tema sem romper com os estereótipos. Precisamos da visão negra, do protagonista. O autor negro ainda é visto como menor, tratado de forma superficial. E a autora negra sente ainda mais dificuldade de aparecer. Há muito conteúdo de qualidade sendo produzido, mas há outro problema que é a divulgação. Também precisamos – e temos direito – de espaço.