Dos 103 países que participaram do processo de sabatina ao Brasil, 26 fizeram recomendações substanciais relativas a discriminações e violências movidas por questões de orientação sexual e/ou de gênero.
(Campanha.org, 16/05/2017 – Acesse o site de origem)
26 países recomendaram ao Brasil tomar medidas relativas a discriminações e violências movidas por questões de orientação sexual e/ou de gênero na Revisão Periódica Universal (RPU) da ONU, cujo rascunho do relatório foi disponibilizado na última terça, 9/5. No total, 45 países consideraram as recomendações e denúncias presentes no relatório da Campanha, que foi contemplado no relatório oficial da sociedade civil compilado pela ONU.
Acesse aqui tabela com a sistematização das recomendações que dizem respeito a educação, contra as violências e discriminações de gênero, orientação sexual e étnico-raciais, com as recomendações propostas pela Campanha em seu relatório.
Argentina, Chile, Eslováquia, Finlândia, Honduras, Israel, México, e Suécia recomendaram ao Brasil tomar medidas e fortalecer políticas locais cem relação à violência contra as populações LGBTI. Eslováquia fez menção ainda sobre responsabilizar os autores das violências e Honduras reiterou a necessidade de aplicar a legislação protetiva específica já vigente sobre a temática.
Austrália, Chile, Egito, Eslováquia, Honduras, Indonésia, Iraque, Itália, México, Ruanda, Sudão, Tailândia, Togo, Tunísia, Uganda fizeram recomendações contra discriminação e violência de gênero contra mulheres e meninas. Vale ressaltar que a Austrália precisou o caso da violência doméstica contra mulheres e a Indonésia mencionou também os casos de prostituição infantil.
Essas recomendações foram uma reação à denúncia à ONU, realizada pela Campanha, acerca dos dados inaceitáveis de desigualdade de gênero estrutural na sociedade brasileira, na educação, no mercado de trabalho, e de violência contra a mulher no Brasil – 5 mil mortes e 500 mil estupros, segundo dados da OMS e do IPEA. Sobre a questão ainda, a Áustria ressaltou a necessidade de proteção para mulheres vítimas de abuso e de implementação de legislação vigente sobre a questão. Bahamas e Venezuela citaram explicitamente as violências movidas por questões de gênero, as mortes e os dados de estupros denunciados pela Campanha e recomendaram medidas preventivas e também de investigação dos casos e proteção das vítimas.
O Paquistão reiterou a necessidade de implementação de políticas contra as desigualdades raciais, especialmente no caso de mulheres afro-brasileiras, e Madagascar reiterou a necessidade de maior inclusão de pessoas em situação de vulnerabilidade.
“Temos trabalhado com a compreensão de que raça e gênero estruturam a sociedade brasileira. Mulheres e negros ocupam posições desfavoráveis na sociedade e essas discriminações e preconceitos estão baseadas no sexo e na raça”, explicou Suelaine Carneiro, coordenadora do programa de educação de Geledes Instituto da Mulher Negra. “Mulheres negras trazem ainda essa combinação entre gênero e cor da pele, que faz com que elas sejam o grupo social que ocupa o pior lugar nos índices sociais”, reiterou.
Nos relatórios disponibilizados pelas Nações Unidas para os países – com os quais a Campanha contribuiu com submissão de documentos e em consultas públicas –, grande atenção foi dada às questões que tangem a igualdade de gênero na educação. A Campanha fez denúncia quanto ao descumprimento do Brasil às recomendações 119.33, 119.47, e 119.94 do Relatório do Conselho de Direitos Humanos em sua 21ª Sessão, sobre igualdade de gênero, por conta da retirada das questões sobre a temática, assim como de combate às discriminações por orientação sexual, dos planos estaduais e municipais de educação.
“Sob a pressão de líderes religiosos, parlamentares de 12 dos 27 estados brasileiros retiraram dos planos de educação estratégias que buscavam superar as desigualdades de gênero, orientação sexual e raça”, cita o relatório compilado da sociedade civil. O relatório compilado com informações submetidas pela própria ONU também cita a questão, fazendo referência ao relatório do Comitê sobre os Direitos da Criança de 2015 – momento em que a Campanha também pautou os comissionados.
Questionamentos da ONU ao “Escola Sem Partido” e a mudanças sobre gênero e orientação sexual na BNCC
Em comunicado publicado no dia 13/04, Koumbou Boly Barry, Relatora Especial para o Direito Humano à Educação; David Kaye, Relator Especial para Promoção e Proteção do Direito à Liberdade de Opinião e Expressão; e Ahmed Shaheed, Relator Especial para Liberdade de Religião e de Crença, enviaram uma carta questionando o Estado Brasileiro acerca dos efeitos gerados pelo programa “Escola Sem Partido” no Brasil, especialmente no que tange os Projetos de Lei 867/2015 e 193/2016, recomendando a tomada de atitudes necessárias para conduzir uma revisão dessas proposições, assegurando sua conformidade com a base dos direitos humanos internacionais – o que inclui a Constituição Federal de 1988 da República Federativa do Brasil.
O documento traz um histórico acerca do movimento “Escola Sem Partido” desde 2004, passando pela apresentação e tramitação dos projetos de lei, até a retirada pelo Ministério da Educação (MEC) dos termos “orientação sexual” e “identidade de gênero” da última versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), enviada em abril deste ano para o Conselho Nacional de Educação (CNE). O documento explicita também o caso do secretário paulistano de educação Alexandre Schneider versus vereador Fernando Holiday.
A carta cita ainda o posicionamento contra o projeto da Comissão Internacional de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA), após denúncia e sustentação oral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Além disso, relatam o amplo posicionamento contrário do Ministério Público Federal (MPF) e da Advocacia Geral da União (AGU), de especialistas, organizações sociais, estudantes e educadores, inclusive em pesquisa de opinião realizada pelo site do Senado Federal, que contou com a participação de mais de 390 mil pessoas, sendo a maioria contrária ao “Escola Sem Partido”.
Os relatores reiteraram que o Artigo 19 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, ratificado pelo Brasil em 1992, protege a todos o direito à opinião, sem interferências, e o direito a buscar, receber, e partilhar informações e ideias de todos tipos, independentemente de fronteiras ou meios. Ainda com base no Artigo 19, explicitaram seu caráter de “necessidade” e não somente como “útil, desejável ou razoável”, o que implica em acesso e proporcionalidade.
Diante dos projetos de lei, o documento afirma que a “discussão sobre gênero e diversidade sexual é fundamental para prevenir estereótipos de gênero e atitudes homofóbicas entre estudantes” e que “por não definir o que é doutrinação política e ideológica, (…) a proposição permite que quaisquer práticas pedagógicas dos professores sejam consideradas como doutrinação, tornando a escola uma extensão do ambiente doméstico antes de uma instituição educacional que proveja novas perspectivas”. Os relatores explicitam ainda que o projeto apresenta o risco de impedir “o desenvolvimento de um pensamento crítico nos estudantes e a habilidade de refletir, concordar ou discordar com o que está exposto em aulas”.
“Os diplomatas ficaram tocados com as informações que apresentei em meu discurso, listando fatos ocorridos nos últimos três anos, como a retirada da palavra gênero dos planos municipais, estaduais e nacional de educação, além das consequências de toda essa onda conversadora que vivemos no Brasil. Muitos também ficaram perplexos com a existência de projetos de lei como o programa ‘Escola sem Partido’, que impacta diretamente na liberdade de expressão de docentes e no acesso à educação de qualidade aos estudantes brasileiros. O que eu não imaginava é que, enquanto em embarcava de Genebra para o Brasil, logo após a atividade na ONU na última sexta-feira, comprovamos o que apresentamos, os retrocessos seriam concretizados via anuncio do MEC de retirar as questões de gênero e orientação sexual da Base Curricular e com o caso das escolas de São Paulo, inspecionadas por vereadores, levando a quase demissão do secretário municipal de educação Alexandre Schneider”, afirmou Fernanda Lapa, coordenadora executiva do Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos (IDDH) que fez um discurso impactante, para diplomatas e representantes de países de todos os continentes do mundo, veículos de imprensa e organismos internacionais.
Os relatores destacam também o parecer com conclusões do Comitê sobre os Direitos da Criança (CRC/ONU), de 2015, que, dando luz aos artigos 2, 3, 6 e 12 da Convenção dos Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil em 1990, recomendou ao Brasil “b) decretar legislação que proíba discriminação ou incitamento de violência com base em orientação sexual e identidade de gênero assim como continuar o projeto “Escola Sem Homofobia”; c) priorizar a eliminação de atitudes patriarcais e estereótipos de gênero, inclusive por meio de programas educacionais e de sensibilização”. Esse documento foi fruto de incidência da Campanha Nacional pelo Direito à Educação junto aos comissionados em momentos prévios à sessão com o Brasil em outubro de 2015.
“O caso vivido pelo secretário Alexandre Schneider tem realmente deixado a comunidade internacional em alerta. Ele não aceitou ter os professores da rede intimidados com essas vistorias [do vereador Fernando Holiday (DEM-SP)]. A perplexidade não é só pelas ameaças que ele tem sofrido [por parte dos militantes do Movimento Brasil Livre (MBL)], mas justamente o como esse tipo de ação dentro das escolas viola a liberdade de expressão e o direito humano à educação”, afirmou Maria Rehder, coordenadora de projetos da Campanha, que esteve na Pré-Sessão da RPU com Fernanda, em Genebra.
“É uma grande conquista o posicionamento da comunidade internacional contra o cerceamento da liberdade de expressão dos professores no Brasil, que tem prejudicado a qualidade da educação e colocado em xeque a primazia dos Direitos Humanos e dos princípios constitucionais. Vamos continuar nesse enfrentamento, sem descansar”, afirmou Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Processo de denúncia internacional
Após participar de eventos públicos e debates no Brasil, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação foi à Genebra, em novembro de 2016, para levar denúncia aos relatores sobre o impacto do programa “Escola Sem Partido” ao direito à educação e ao direito à liberdade de opinião e expressão dos educadores. Em dezembro de 2016, o coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, fez sustentação oral contra o programa “Escola Sem Partido” perante o Estado Brasileiro no âmbito da reunião da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA). No dia 7 de março, Daniel Cara foi expositor em audiência pública realizada no âmbito da Comissão Especial do Programa Escola Sem Partido na Câmara dos Deputados. A Comissão Especial é composta, majoritariamente, por defensores do PL.
As relatorias obtiveram informações sobre o programa “Escola Sem Partido” por meio de denúncias levadas à Genebra pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação e pelo IDDH, na Pré-Sessão do Relatório Periódico Universal (RPU) ao Brasil, que aconteceu na primeira semana de abril deste ano. Ainda, a relatora especial para o direito à educação, Koumbou Boly Barry, esteve em evento promovido pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação e pela Ação Educativa no dia 04/04, recebendo informações sobre o contexto da educação brasileira através de movimentos e ativistas da área.
A Campanha Nacional pelo Direito à Educação participou enquanto organização da sociedade civil de todo o processo da Revisão, com a submissão de relatório – em conjunto com Ação Educativa, Anced (Associação Nacional dos Centros de Defesa de Direitos de Criança e Adolescente) e Clade (Campanha Latino Americana pelo Direito à Educação) -, passando pelo processo da Pré-Sessão, em abril – em parceria com o IDDH (Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos) -, até o processo da Sessão, em maio.