Secretária de Políticas para as Mulheres de São Paulo fala sobre avanços e desafios do órgão que corre risco de extinção

16 de dezembro, 2016

Às vésperas da mudança da gestão municipal e em meio ao debate sobre a opção do prefeito eleito, João Dória Jr., de extinguir diversas secretarias para enxugamento da máquina pública, a Agência Patrícia Galvão entrevistou a primeira secretária municipal de Políticas para as Mulheres na cidade de São Paulo, Denise Motta Dau. Na conversa, Denise apresentou um balanço do que foi realizado nos últimos quatro anos e falou sobre os desafios ainda postos para consolidar um projeto de gestão com perspectiva de igualdade de gênero e raça nas administrações públicas brasileiras.

(Luciana Araújo/Agência Patrícia Galvão, 16/12/2016)

São Paulo, a maior e mais rica capital do país, onde vivem cerca de 6 milhões de mulheres, dispõe de apenas 5 Centros de Referência e 5 Centros de Cidadania especializados nas questões atinentes aos direitos das mulheres, uma casa abrigo de endereço sigiloso e, desde o último dia 9, uma Casa de Passagem aberta em regime de conveniamento. O município dispõe de um ônibus que leva plantões de uma psicóloga e uma assistente social às regiões para realização do primeiro atendimento e desenvolve o projeto Guardiã Maria da Penha. Criado em junho de 2014, este último capacita agentes da Guarda Municipal que monitoram o cumprimento de medidas protetivas expedidas com base na Lei nº 11.340/2006. No entanto, até o momento o projeto chegou a apenas 15 bairros da região central da cidade.

São seis os serviços de saúde que realizam atendimento especializado às vítimas de estupro e procedimentos de interrupção de gravidez previstos em lei na capital. Fazem parte ainda da rede de atenção às mulheres 14 Centros de Defesa e de Convivência da Mulher (CDCMs) geridos pela Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS), que têm capacidade para atendimento social, psicológico e de orientação jurídica a no máximo 1.510 mulheres em situação de violência doméstica ou de vulnerabilidade social simultaneamente. Os 52 Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) completam a rede municipal de atendimento às mulheres em situação de violência e vulnerabilidade social, que se articulam com as também insuficientes políticas públicas estaduais, como delegacias, juizados, Grupo Especializado do Ministério Público no enfrentamento à violência doméstica (Gevids) e o Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública (Nudem).

O que foi feito até hoje e o que ainda está no papel

De acordo com informações da Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres (SMPM-SP), ao longo dos últimos quatro anos foram realizados cerca de 8 mil atendimentos nos serviços municipais especializados de atenção às mulheres vítimas de violência (CCMs, CRMs, unidade móvel e projeto Guardiã Maria da Penha). A Casa de Passagem Rosângela Rigo é alugada e o valor do conveniamento com a entidade União Populares de Mulheres de Campo Limpo e Adjacências (UPm), por 12 meses, é de R$ 1.737.054,96. Outra unidade em construção na Zona Sul da cidade, em terreno da Prefeitura, tem orçamento total aprovado para a obra, formação e equipe de R$ 3.073.872,76 – sendo R$ 2.333.912,57 do governo federal (convênio aprovado e assinado em 2014) e R$ 739.960,19 da Prefeitura.

Há ainda outro projeto de atenção às mulheres em situação de violência que contaria com a participação do município. A Casa da Mulher Brasileira, projeto do governo federal em parceria com a Prefeitura e cuja obra está paralisada. Pelo convênio assinado em agosto de 2013, a municipalidade seria a responsável, pelo período de dois anos após a abertura da unidade, pela gestão da manutenção do espaço e por serviços de apoio social e psicológico.

Diante desse quadro, é fundamental incrementar os investimentos e políticas para assegurar a todas as cidadãs paulistanas a garantia de seus direitos e atendimento digno para promoção de uma vida sem violência. Para o orçamento de 2017, o projeto de lei enviado pelo executivo municipal à Câmara de Vereadores destina R$ 34,7 milhões à Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres e R$ 15,9 milhões à Secretaria Municipal de Promoção da Igualdade Racial (que neste ano de 2016 teve orçamento de R$ 28.685.037,00 – o que significa uma redução de quase metade da dotação para o ano que vem). Em 2016 a SMPM recebeu 0,01% do orçamento municipal (R$ 22,1 milhões).

Confira abaixo a entrevista com a secretária Denise Motta Dau:

Primeiramente gostaria que você falasse sobre o que avançou em termos de políticas para as mulheres na cidade desde a criação da Secretaria até hoje.

A Secretaria foi criada já no primeiro dia de governo do prefeito Fernando Haddad, fruto de um diálogo sobre uma reivindicação histórica apresentada pelo movimento feminista e pelos movimentos sociais. Tanto a Secretaria Municipal de Promoção da Igualdade Racial quanto a Secretaria de Políticas para as Mulheres são frutos desse diálogo. Lembrando também que, na cidade de São Paulo, esses movimentos têm uma história de avanços desde a criação do primeiro serviço municipal de atendimento às mulheres, que é o Centro de Referência Eliane de Grammont, pela então prefeita Luiza Erundina em 1990. Depois esses serviços foram gradualmente se expandindo e, em 2001, foi criada a Coordenadoria de Políticas para as Mulheres, na gestão da prefeita Marta Suplicy.

Junto com a implantação de diversos serviços e projetos, no plano federal cria-se em 2003 a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República e também a Secretaria de Promoção de Políticas de Igualdade Racial – com a qual é fundamental trabalharmos, na questão transversal das mulheres negras. E isso estimulou muito que estados e municípios fossem também criando organismos de políticas para as mulheres (departamentos, coordenadorias e, em especial, secretarias), a partir dos projetos e políticas em nível federal.

Durante nossa gestão, na área de autonomia econômica e em parceria com a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, na gestão da então ministra Eleonora Menicucci e ainda no governo da presidenta Dilma, fizemos um convênio para implantação de um projeto de capacitação de mulheres na perspectiva da economia solidária, para ser implementado nos nossos Centros de Cidadania da Mulher e que previa ao final a estruturação de dez grupos produtivos de mulheres. A reestruturação dos Centros, que estimulam a capacitação profissional, a auto-organização e a participação política, também foi importante.

E na área de participação social, criamos os Fóruns Regionais de Políticas para as Mulheres, que possibilitaram que as mulheres atuassem em seus territórios e regiões. São 20 representantes da sociedade civil eleitas por subprefeitura, que podem monitorar, fiscalizar e acompanhar as políticas a partir desses fóruns, o que impulsionou a participação das mulheres na recente eleição para composição do Conselho Municipal de Políticas para as Mulheres.

E quantas mulheres já passaram pelo projeto? Ele ainda está em vigor?

O projeto está funcionando e esperamos que em 2017 tenha o seu desenvolvimento e a sua conclusão. Já foram capacitadas cerca de 500, e a ideia é responder à grande dificuldade que as mulheres têm na economia solidária, que é a escoação da produção, entrar nos grandes mercados. Então, estamos desenvolvendo uma parceria com a Secretaria do Desenvolvimento e Trabalho para que as mulheres possam ter acesso a esses mercados, porque na gestão do prefeito Fernando Haddad foi criada também uma incubadora de economia solidária.

E o outro projeto nessa área da autonomia econômica é o Centro de Orientação ao Emprego Doméstico, implantado no Centro de Apoio ao Trabalho da Luz, em parceria com a Secretaria do Trabalho, onde damos orientações para empregadoras e e trabalhadoras domésticas sobre a legislação, com a intenção de contribuir para a formalização do trabalho doméstico na cidade.

E quanto à questão do enfrentamento à violência contra as mulheres, o que avançou?

Atenção à mulher vítima de violência
na cidade de São Paulo

  • Os CRMs e CCMs atendem, em média, 150 mulheres por mês.
  • A Casa Abrigo aloja até 20 pessoas (mulheres e filhas/os) simultaneamente.
  • A Unidade Móvel de Atendimento a Mulheres em Situação de Violência (ônibus itinerante com atendimento de psicóloga e assistente social) já atendeu individualmente mais de 550 mulheres.
  • O programa Guardiã Maria da Penha já atendeu 582 mulheres, tendo sido realizadas 24.533 visitas. Atualmente 137 mulheres estão em acompanhamento.
Fonte: SMPM

No enfrentamento à violência contra a mulher e também na ampliação dos serviços, reformamos e reequipamos os serviços já existentes – todos os Centros de Cidadania da Mulher e os Centros de Referência da Mulher Casa Brasilândia e Casa Eliane de Grammont. E implantamos mais dois centros de referência – um no Capão Redondo, na Zona Sul da cidade, e um em São Miguel Paulista, na Zona Leste. Reformamos integralmente a nossa Casa Abrigo Helenira Rezende, de endereço sigiloso, e inauguramos no último dia 9 de dezembro um serviço que fazia muita falta em nosso Estado, que é uma casa de passagem para hospedagem temporária que faz também o atendimento de urgência a mulheres que não são caso para abrigamento por período mais longo. Se não dermos esse atendimento emergencial, muitas dessas mulheres serão obrigadas a voltar para o convívio com o agressor por falta de opção de local de moradia e podem ser assassinadas. Até agora tínhamos essa lacuna na rede de serviços. Lá na Casa da Mulher Paulistana Rosângela Rigo, na Zona Norte, as mulheres podem ficar 15 dias renováveis por mais 15.

Outro projeto importante no enfrentamento à violência é o Guardiã Maria da Penha. Por meio de uma parceria com o Ministério Público e com a Secretaria Municipal de Segurança são realizadas visitas domiciliares de monitoramento para ver se os agressores estão tentando se aproximar dessas mulheres. E iniciamos a construção da Casa da Mulher Paulistana da Zona Sul, no terreno anexo à Casa Eliane de Grammont, com dinheiro do governo federal. Esta construção é fruto de um convênio realizado em 2014 com a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República.

E a Prefeitura é responsável pela gestão da obra?

Não é só a gestão da obra, como no caso da Casa da Mulher Brasileira, que é um programa federal e nós entramos com a gestão. No caso da Casa da Mulher Paulistana, é um convênio mesmo, nos candidatamos em um edital aberto pela Secretaria de Enfrentamento à Violência da SPM do governo federal, apresentamos o projeto e a cidade foi contemplada. Então, o projeto é financiado com 70% de verbas federais (R$ 2,3 milhões) e 30% de verbas nossas (R$ 739,9 mil). O terreno é municipal, o dinheiro já foi liberado e as obras foram iniciadas.

As visitas do Guardiã Maria da Penha estão sendo realizadas de quanto em quanto tempo? E quantas mulheres são monitoradas?

Essas visitas são feitas diariamente e até o momento temos um total de 24.533 visitas realizadas, com uma média mensal de 817 visitas.

No último dia 13 de dezembro também foi lançado o Plano Municipal de Políticas para as Mulheres, mas seu conteúdo ainda não foi publicado. Como o Plano se articula com as ações já implementadas e quais são os desafios que ainda estão postos, já que estamos longe de termos resolvido todos os problemas das mulheres paulistanas em termos de políticas públicas.

Durante toda esta gestão foi debatido e pactuado quais seriam as prioridades na construção do Plano Municipal, a partir das discussões na 5ª Conferência Municipal de Políticas para as Mulheres, realizada em setembro de 2015, de consultas online e audiências públicas regionais. Todos esses projetos que fizemos ainda são insuficientes para alcançarmos nosso objetivo final, que é tornar a cidade de São Paulo igualitária, com oportunidades iguais para homens e mulheres, o que está previsto nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Então, a Secretaria foi toda estruturada, desde o ponto de vista da parte física e dos trâmites burocráticos e do ponto de vista da política pública e da construção das ações. E conseguimos comprometer as várias secretarias municipais com metas, responsabilidades, ações e prazos, para consolidar de fato um plano transversal, porque as políticas para as mulheres precisam estar nas várias políticas públicas da cidade, nas diversas áreas.

Aproveitando esse gancho, quem considera que não é necessária a Secretaria de Políticas para as Mulheres ou a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial apresenta exatamente este argumento, de que as políticas para as mulheres e de combate ao racismo têm que estar presentes em todas as secretarias. Tendo em vista que a transversalidade é um pressuposto verdadeiro, qual é, na sua avaliação, o problema nessa concepção que desconsidera a importância da estrutura de gestão?

O problema é que a Secretaria tem a responsabilidade de articular, monitorar e construir seus próprios projetos de ampliação dos serviços, assim como aqueles que são transversais. Se não temos dentro da administração pública um organismo com poder, orçamento, recursos humanos e estrutura para essa pactuação transversal ocorrer, ela não acontecerá na medida necessária. Assim fica muito difícil que a visão de gênero esteja nas várias áreas.

A Prefeitura criou também o portal São Paulo Diverso, que traz uma série de indicadores socioeconômicos com recorte racial mas tem poucos dados na perspectiva de gênero. Existe algum projeto nesse sentido dentro da SMPM?

O São Paulo Diverso foi idealizado pela Secretaria de Promoção da Igualdade Racial. E contribuímos exatamente com a política de fortalecer a questão de gênero dentro desse diagnóstico e dessa articulação com as empresas. Inclusive há a ideia de se criar um banco de dados de profissionais negros para que as empresas possam consultar. Porque sabemos que o tripé estruturante das desigualdades sociais leva em conta gênero, raça e classe; então, é fundamental que essas duas secretarias trabalhem de forma articulada, o que inclusive é uma meta do Plano Municipal. Porém, infelizmente foi anunciada a extinção das duas secretarias.

Nesse sentido, considero importante destacar a importância do recém-eleito Conselho Municipal de Políticas para as Mulheres, para que se mantenha o diálogo com a sociedade civil e o monitoramento dessas políticas e projetos. Porque são políticas necessárias que estavam em consolidação e é fundamental que haja um diálogo com os representantes das 25 secretarias de governo no Conselho para continuidade ou repactuação dessas políticas e para que não haja retrocessos para os direitos das mulheres.

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