(Portal EBC, 10/06/2016) O Brasil é um país perigoso para as mulheres. Dados do Mapa da Violência de 2015 mostram que entre 2003 e 2013, o número de vítimas de homicídio do sexo feminino passou de 3.937 para 4.762; um aumento de 21% na década. O país tem taxa de 4,8 homicídios por cada 100 mil mulheres, a quinta maior do mundo em um ranking com 83 países, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
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Não apenas a violência física, que leva ao feminicídio, atinge a mulher brasileira. O Mapa da Violência mostra que, em 2014, o Sistema Único de Saúde (SUS) atendeu a 23.630 mulheres vítimas de violência sexual. Dados da Central de Atendimento à Mulher, o Ligue 180 (serviço da Secretaria de Políticas para Mulheres), registrou em 2015 cerca de 10 casos de violência sexual por dia, com um aumento de 165,27% no número de estupros em relação ao levantamento anterior, computando a média de oito estupros por dia, um a cada três horas.
Números do 9º anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública são ainda mais graves: a entidade acredita que possam ter ocorrido entre 136 mil e 476 mil casos de estupro no Brasil em 2014, o que significa uma mulher estuprada a cada 11 minutos no país.
Roupa, comportamento, bebida, horário, companhias… são muitos os questionamentos que surgem a respeito de um crime quando a vítima é do sexo feminino. Casos recentes de estupros coletivos ganharam as mídias sociais e reacenderam o debate sobre a persistência de uma Cultura do Estupro na sociedade. O termo, segundo a ONU Mulheres, é “usado para abordar as maneiras em que a sociedade culpa as vítimas de assédio sexual e normaliza o comportamento sexual violento dos homens”.
Os hábitos violentos que levam aos crimes cometidos contra as mulheres não são recentes, segundo afirma Izabel Solyszko, feminista, doutora em Serviço Social e professora na Universidad Externado de Colombia, em Bogotá. Para ela, as mulheres são historicamente tratadas como “sujeitos de segunda categoria”. “Não somos reconhecidas como humanas, como dignas de respeito e de direitos humanos porque nos coisificam, objetificam e mercantilizam. Falar de cultura de estupro é resgatar uma cultura machista que estupra e mata as mulheres”, explica.
O problema é estrutural, afirma Izabel, e precisa ser combatido não só em momentos de intensos debates, como quando surgem casos que chocam pela violência e divulgação, mas na raiz da sociedade, no desenvolvimento de cidadãos conscientes em relação à igualdade de gênero. “Em processo de socialização, a educação pode formar sujeitos que constroem relações mais igualitárias. Uma educação não sexista que educa seres humanos e não meninas ‘princesas’ e meninos ‘machinhos’ é fundamental para enfrentar o problema da violência de gênero”, defende a professora.
Amparo da lei
O país tem, desde 2005, a rede nacional de enfrentamento à violência contra a mulher; projeto amparado pela Lei Maria da Penha, que produz uma base de dados para formular políticas públicas do setor. Nessa ação, o Ligue 180 funciona como disque-denúncia e estabelece um canal direto com os serviços de segurança pública e Ministério Público de cada estado do país. Em 2015, entrou em vigor também a Lei do Feminicídio, que tipifica a morte de mulheres como crime hediondo e modifica o Código Penal, incluindo o crime entre os tipos de homicídio qualificado.
O debate sobre o direito à interrupção da gravidez também circunda os direitos da mulher. No Brasil, mulheres têm direito ao aborto em três casos: quando a gestação é resultante de estupro, quando há risco de vida para a mulher ou se o feto for anencefálico. Grupos feministas têm feito diversas manifestações contra projetos como o Estatudo do Nascituro – que visa a proibir o aborto e aumentar o rigor da pena para mulheres que abortarem e médicos que conduzirem o procedimento -, e o Projeto de Lei 5069, que segundo eles pode dificultar o acesso de vítimas de violência sexual a atendimento médico.
Izabel ressalta que é papel fundamental do Estado garantir o respeito aos direitos humanos das mulheres. A criação da Secretaria de Políticas para Mulheres com status de ministério, em 2003, contribuiu para avanços na área, diz. Para ela, é necessário manter a atenção ao que tem sido debatido e executado: “Os recentes protestos se realizam pela barbárie do fato (os estupros coletivos), mas também porque existe um contexto de retrocesso nas políticas públicas e na conjuntura de golpe que leva as pessoas pras ruas a reivindicar direitos e suas demandas coletivas”, acredita.
E o que eu tenho com isso?
Não só quem comete abusos ou violência é ator na chamada Cultura do Estupro. Dentro desse conjunto de comportamentos, estão também pequenas atitudes do cotidiano que podem passar despercebidas. A manipulação psicológica que leva a mulher e as pessoas a sua volta pensarem que ela tem algum tipo de desequilíbrio emocional, por exemplo, se chama gaslighting. Essa e outras práticas, como o manterrupting (quando o homem interrompe a fala da mulher) e mansplaining (explicar algo óbvio, como se a mulher não fosse capaz de entender), são consideradas “machismo oculto”.
O combate ao machismo da sociedade patriarcal deve ser contínuo, segundo defende a professora da Universidad Externado de Colombia: “Isso implica não rir nem fazer piadas machistas, nem homofóbicas, que desprezam e ridicularizam as mulheres e a população LGBTI, por exemplo”, diz Izabel Solyszko.
A afirmação de estereótipos, crítica preconceituosa ao comportamento de mulheres e até mesmo a divisão de tarefas domésticas também devem ser atitudes observadas. “Deixar de tratar as mulheres como eternas culpadas e os homens como pequenos reis e deuses que devem ser defendidos e venerados… São muitas práticas cotidianas que vão construindo novas relações”, explica Izabel.
Por Ana Elisa Santana Fonte: Portal EBC
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