Entre pedidos de reformulação da lei e alta da violência, especialistas defendem políticas públicas que executem o mecanismo legal na prática.
Às vésperas de completar 20 anos em 2026, a Lei Maria da Penha ainda não é totalmente posta em prática. Um reflexo disso é o alto número de feminicídios no Brasil em 2025, segundo dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública: 1.177 casos foram registrados de janeiro a outubro, o que equivale a 4 vítimas por dia e a um aumento de 2,35% em relação ao mesmo período no ano passado.
No dia 07/12, milhares de mulheres tomaram as ruas de várias cidades do país em um movimento nacional de mobilizações que denunciou a escalada do feminicídio. Por um lado, o cenário leva a parte da população a pleitear atualizações no mecanismo legal vigente; por outro, especialistas defendem que é preciso garantir a implementação da Lei Maria da Penha em sua plenitude.
Uma petição online, iniciada pela ativista Bárbara Penna, ultrapassa a marca de um milhão de assinaturas pedindo pela reformulação total da Lei. Bárbara, que foi vítima de uma tentativa de feminicídio em 2013, defende uma série de alterações: que o endereço da vítima seja retirado do boletim de ocorrência; a exigência de um profissional de psicologia em cada delegacia da mulher, para atendimento imediato da vítima e para averiguação de falsas denúncias; a obrigatoriedade de ressarcimento financeiro à mulher vítima por parte do réu agressor, dentre outras.
Bárbara afirma que o abaixo-assinado “nasceu da dor” não apenas dela, mas de famílias de todo o país que perderam mulheres e crianças para a violência doméstica, e das sobreviventes que seguem desamparadas mesmo após buscar ajuda.
O Sul21 procurou a organização Themis, que participou da formulação da Lei Maria da Penha em 2006, para entender se a legislação necessita de alterações para estancar esse índice crescente. Para a entidade, no entanto, o passo mais urgente é fazer valer a normativa que já existe.
“É complexo dizer que alterações [na lei] não são bem-vindas – não é sobre isso”, enfatiza Rafaela Caporal, coordenadora da área de Enfrentamento às Violências da Themis. “Mas é necessário entender qual é a efetiva mudança que essas alterações vão trazer na prática da vida das mulheres. Porque, se temos uma legislação bastante conhecida, e em 20 anos não conseguimos implementar a sua totalidade, as alterações também vão ser difíceis de ser implementadas. É preciso garantir que o que está na legislação seja cumprido”.
Quando se trata de segurança da mulher, o Rio Grande do Sul tem somente 22 delegacias especializadas e 8 postos de atendimento, sendo que apenas duas unidades têm atendimento 24h.
Já a Patrulha Maria da Penha, responsável por monitorar as medidas protetivas com maior risco, está ausente em mais de 70% dos municípios gaúchos. Mesmo assim, a Brigada Militar incluiu 10.961 mulheres vítimas de violência no programa em 2025.
O estado registrou 68 feminicídios este ano até o mês de outubro, um aumento de 19% em relação a 2024. Cinco casos foram registrados na Capital.
“A lei é muito importante e muito contundente, pois abarca as esferas da violência doméstica não apenas no sentido de responsabilização do agressor, mas também de medidas sociais e educativas para a prevenção da violência”, explica Caporal. “A questão é que muitas coisas previstas na lei não são implementadas. É preciso pensar em como garantir políticas públicas no sentido de implementá-las. Se não houver um Estado que investe em políticas de enfrentamento à violência de uma maneira ampla, um dispositivo legal sozinho não faz nada”.