A escalada da violência doméstica nesse período é uma das principais preocupações de muitas organizações, especialistas e ativistas que defendem os direitos das mulheres ao redor do mundo. Na semana passada, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, chegou a fazer um apelo mundial para que os países adotem medidas para proteger as mulheres em suas próprias casas.
No momento em que as medidas de confinamento provocadas pela pandemia de Covid-19 exacerbam a violência de gênero nas famílias, especialistas também temem o aumento da subnotificação destes casos, uma vez que a restrição de circulação e a presença constante do agressor em casa pode impedir que muitas mulheres consigam buscar ajuda ou denunciar.
A violência doméstica se alimenta do silêncio e da covardia. Ela se perpetua na escuridão, quando o autor acha que ninguém está olhando.” DANIELA GRELIN, Diretora-executiva do Instituto Avon.
Mas existem maneiras de ajudar essas mulheres, mesmo em meio à pandemia. CELINA conversou com a diretora-executiva do Instituto Avon, Daniela Grelin, a promotora de Justiça Silvia Chakian, do Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica do Ministério Público de São Paulo, e com a defensora Flávia Nascimento, que coordena a Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, para elaborar algumas dicas de como intervir nessas situações.
— A violência doméstica não é problema só do casal ou da polícia. É um problema de toda a sociedade. É importante que a gente esteja atento aos sinais de violência — afirma Daniela Grelin, do Instituto Avon. Manter o contato constante, oferecer ajuda sem julgamento e se manifestar quando ouvir algum tipo de agressão estão entre as sugestões. Veja abaixo.
1. Ofereça ajuda e mantenha contato
Se conhece alguma vizinha ou amiga que pode estar passando por uma situação difícil durante a quarentena, ofereça ajuda. Vale interfonar, mandar mensagem pelo Whatsapp ou enviar um bilhete por debaixo da porta.
A sutileza é importante nesse momento, pois muitas mulheres podem se sentir envergonhadas por estarem sofrendo violência ou até mesmo não ter privacidade para ler um recado ou falar da situação sem que o agressor saiba, explica Grelin.
— Mostre para a sua vizinha, amiga ou colega de trabalho que está disponível para ajudá-la. Uma sugestão é escrever: “Vizinha, se esse período não é seguro para você, saiba que pode contar comigo. Aqui está meu celular” — orienta.
Uma boa dica, se precisar de ainda mais discrição, é incluir o recado em meio a uma receita ou outra coisa que possa ser do interesse dessa mulher, e que o agressor não irá ler ou ouvir.
— Você não precisa esperar passivamente que ela peça ajuda. Uma mulher que vive a violência é a pessoa mais fragilizada dessa situação, ela se sente sozinha e aprisionada. Mostrar que você a vê, que você acredita nela e que está disponível para ajudá-la, é fundamental — completa a diretora-executiva.
É importante manter contato constante com essa mulher, pois romper uma relação abusiva é um processo delicado e cada mulher tem seu tempo.
— É preciso respeitar quando essa mulher ainda não se sente pronta, segura, e também acompanhá-la para fornecer o apoio para que finalmente se sinta fortalecida — afirma a promotora de Justiça Silvia Chakian.
2. Não julgue
Ao oferecer ajuda, ouça a mulher, acredite na palavra dela e não a julgue. Muitas mulheres se sentem envergonhadas ou culpadas pela violência que sofrem, por isso o apoio sem julgamento é fundamental.
— É importante fazer com que aquela mulher saiba que não tem culpa, que não está sozinha e que a violência doméstica é grave, inaceitável e pode se tornar cada vez mais grave quando nada é feito para interrompê-la — explica Chakian.
3. Combine um sinal ou palavra de emergência
Se está em contato com uma mulher que poder estar em risco, combine um sinal de emergência que ela possa acionar quando precisar de socorro. Você pode sugerir que ela amarre um lenço ou uma fita na sacada caso precise de ajuda, ou então combinar uma palavra-chave que ela pode enviar por mensagem ou falar ao ligar e assim te informar que está em apuros, para que você possa acionar a polícia.
4. Não silencie se ouvir uma agressão e chame a polícia
Caso escute ou presencie alguma agressão ou situação de violência na vizinhança, não silencie. Mostre que está ouvindo, se faça presente. Vale ligar, interfonar, bater na porta, gritar na janela ou até mesmo chamar a polícia.
— O que não pode ocorrer é a omissão, porque a violência doméstica não é questão da esfera privada, familiar, mas uma questão de Estado, onde todos têm o dever de interferir — afirma Chakian.
Mostre para a sua vizinha que está disponível para ajudá-la. Uma sugestão é escrever: ‘Vizinha, se esse período não é seguro para você, saiba que pode contar comigo. Aqui está meu celular.‘” DANIELA GRELIN, Diretora-executiva do Instituto Avon.
A defensora pública Flávia Nascimento alerta para a importância de acionar a Polícia Militar pelo 190 caso desconfie que está acontecendo uma agressão, pois isso pode impedir a escalada da violência naquele momento.
Se desconfiar que uma mulher é vítima contante de violência, você também pode buscar orientação ou registrar uma denúncia no Ligue 180. Mas, nesse caso, a polícia não é acionada imediatamente.
— A violência doméstica se alimenta do silêncio e da covardia. Ela se perpetua na escuridão, quando o autor acha que ninguém está olhando. Quando ocorre essa interferência, seja da polícia, dos vizinhos ou dessa rede de proteção, isso normalmente tem o efeito de inibir a agressão — alerta Grelin.
5. Oriente sobre os serviços disponíveis
Fale para mulher sobre a possibilidade de pedir uma medida protetiva, elas continuam sendo concedidas durante a quarentena. Informe que ela pode buscar a Defensoria Pública e outros serviços de atendimento na sua cidade. A maioria continua em funcionamento, mas muitos atendimentos estão sendo feitos à distância, por e-mail ou Whatsapp.
Através da defensoria ou do Ministério Público, essa mulher pode ser encaminhada para uma das casas abrigo e de passagem, cujos endereços são sigilosos para proteção das vítimas. Vale lembrar que as Delegacias da Mulher continuam funcionando durante a quarentena. No Rio de Janeiro, seguem abertas 24 horas.
Outros aplicativos e plataformas também podem ser úteis: o PenhaS, criado pela Revista AzMina, conecta, de forma sigilosa, a mulher a uma rede de apoio, e tem um botão do pânico que permite que ela cadastre cinco contatos de pessoas de confiança que podem ser acionadas em caso de emergência. O Mapa do Acolhimento também conecta mulher a uma rede de psicólogas e advogadas voluntárias através do site e mostra os serviços de atendimento mais próximos com base na geolocalização da vítima.
Por Leda Antunes