Em quarentena total, mulheres não conseguem denunciar violência doméstica na Itália

27 de março, 2020

Pedidos de ajuda caíram pela metade na comparação com o mesmo período do ano passado

(Folha de S.Paulo, 27/03/2020 – acesse no site de origem)

Desde o dia 9 de março, quando o governo italiano impôs a quarentena total para todo o país em uma tentativa de frear a difusão do coronavírus, uma situação tem chamado a atenção de quem trabalha no combate à violência doméstica: os telefones que recebem ligações de mulheres agredidas ficaram mais silenciosos.

Nas últimas semanas, as chamadas caíram pela metade na comparação com o mesmo período do ano passado.

“Isso nos preocupou muito porque estamos convencidas, pela experiência de mais de 30 anos acompanhando as mulheres na Itália, de que isso não significa que não esteja havendo violência”, afirmou Antonella Veltri, presidente da ONG Donne in Rete, uma das mais importantes organizações que atuam no combate à violência contra a mulher no país.

“O problema é que as mulheres não estão conseguindo fazer as ligações”, disse à Folha nesta sexta (27).

“Por causa da quarentena, as vítimas de violência estão obrigadas a uma convivência forçada com companheiros violentos. Elas não conseguem ligar porque a presença em casa do agressor levou a um maior controle deles sobre as mulheres.”

Depois de identificarem a questão, essa e outras ONGs, governos e meios de comunicação se uniram para lançar campanhas em que anunciam que os centros antiviolência continuam abertos e reforçam os números de contato.

“Na nossa campanha sugerimos às mulheres algumas estratégias para que consigam ligar e pedir ajuda. Por exemplo: se fechar no banheiro, sair para levar o lixo, comprar cigarro ou ir ao mercado, telefonar e depois apagar o histórico de chamadas feitas”, diz Veltri, que coordena uma rede de 109 centros antiviolência e 92 casas de abrigo para mulheres.

Com a campanha lançada nesta semana nas redes sociais e na TV, as denúncias por telefone, segundo ela, começaram a voltar.

Em outra campanha, personalidades italianas, como a atriz Paola Cortellesi, encoraja as possíveis vítimas a procurarem ajuda. “Precisamos estar em casa. Mas se a casa é, para vocês e para os seus filhos, só um lugar de violência e medo, podem pedir ajuda”, diz.

A peça, que também está sendo veiculada na TV italiana, reforça o número do telefone “rosa” nacional e divulga um aplicativo em que é possível pedir socorro por chat.

“Não cansamos de dizer: para as mulheres que, nestes dias de isolamento, sofrem violência em casa, há o número 1522 e também o aplicativo, 24 horas por dia”, disse Elena Bonetti, ministra da Igualdade e da Família.

Na Itália, uma mulher é morta a cada três dias, com taxas crescentes nas últimas décadas. Em 1990, 11% dos assassinatos no país tinham vítimas femininas. Em 2018, o percentual foi de 38,6%

Segundo dados divulgados no início deste mês, foram 133 vítimas de feminicídio em 2018 —os números mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (Istat). E, em 80% dos casos, a vítima conhecia o seu assassino.

Se em mais da metade das situações, o matador é um companheiro ou ex-companheiro, em outros 25%, ele é um parente. Nos últimos dias, casos dos dois tipos apareceram nos jornais italianos.

Em Pádua, uma mulher de 48 anos foi agredida com um martelo pelo marido durante uma discussão e, após denúncia feita pelos vizinhos, foi socorrida pelo serviço de emergência.

Em Roma, outra, de 46 anos, morreu decapitada pelo filho de 20 anos, com sinais de problemas psiquiátricos. Ambos teriam sido consequência de situações agravadas pela convivência forçada da quarentena.

Por Michele Oliveira, de Milão 

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