Apesar de sofrer agressões, a mulher não se enxerga como vítima e acaba se submetendo a um relacionamento abusivo, explicam especialistas
(Jornal Nacional, 24/06/2019 – acesse no site de origem)
A violência doméstica contra mulheres costuma ser reincidente no Brasil. Apesar de sofrer agressões, a vítima não se enxerga como vítima e acaba se submetendo a um relacionamento abusivo.
A mulher levou 20 anos para registrar a primeira denúncia contra o marido: “Quebrava as coisas, rasgava as minhas roupas. Ele me batia, me derrubava no chão e dava chute”. Mas ela sempre perdoava: “E aí ele foi atrás de mim, falou que ia mudar, aquela história, né? Que se arrependeu e aí eu acabei caindo na lábia dele. Voltamos e depois voltou a agredir de novo”.
Ao todo foram três medidas protetivas, a última depois que o companheiro a ameaçou de morte e botou fogo na casa onde viviam. Hoje ela está num abrigo longe do agressor.
Histórias de violência se repetem. “Eu voltei porque, assim, eu acho que é aquela esperança, ele vai mudar”. Não mudou. “Ontem mesmo ele quase me atropelou de carro, eu de moto”.
Mas o que leva uma mulher a perdoar e voltar a viver com o agressor? “Eles pedem desculpa, falam que não vão fazer de novo, fazem promessas. Por acreditar que ele pode mudar, por acreditar que ele não é tão ruim assim”, afirma a psicóloga Daniele Oliveira.
Na Casa da Mulher Brasileira em Campo Grande, o número de medidas protetivas em vigor já passa de 5 mil. Só que, de 20% a 30% das mulheres, depois de um tempo, voltam à Justiça e pedem a revogação dessa medida. Mais de 1.300 já foram revogadas. Só que essas mulheres só recebem a revogação depois de passar por um psicólogo ou um assistente social.
São reuniões como uma terapia em grupo. “Após muito tempo de violência, perdem até a sua identidade. Não se reconhecem mais”, fala uma condutora dessas reuniões.
“E não é fácil você fazer uma denúncia contra uma pessoa que você amou, ou ama, que você acha que pode voltar a ser aquilo que se mostrava no início do relacionamento. É muito difícil para essa mulher ter uma atitude e realmente sair desse relacionamento abusivo”, explica a juíza Jaqueline Machado.
A delegada Joilce Ramos explica que mais da metade das mulheres que procuram a delegacia já tinham denunciado ter sofrido violência: “A gente não pode condenar, não pode julgar. E, se ela vier aqui cinco, seis, sete vezes, nós vamos conceder medida para ela quantas vezes ela precisar”.
A Patrulha Maria da Penha, em Campo Grande, toda semana encontra vítimas com medidas protetivas que reataram com os agressores e não informaram. “Ela já tem vergonha de falar que apanhou, depois ela tem vergonha de falar que voltou. Mas, em sua maioria, é dependência emocional dessa mulher”, afirmou Nelis Ribeiro, comandante da Patrulha Maria da Penha.
A terapia de graça ajuda. O encaminhamento ao mercado de trabalho, também. Ester Pereira Dias, de 19 anos, se orgulha da mãe, a manicure Kelly Cristina Dias Pereira, que saiu de um relacionamento abusivo.
“É um exemplo de conquista, superação e eu levo isso para mim”, elogia Ester. “Eu sempre mostro para elas que você tem que se amar primeiro e ser bem resolvida”, afirma Kelly Cristina.