Sem lugar seguro: quarentena expõe crise de violência doméstica no país

01 de abril, 2020

No país em que 7 a cada 10 vítimas de feminicídio são mortas dentro de casa, permanecer segura no próprio lar é mais um desafio do isolamento

(R7, 01/04/2020 – acesse no site de origem)

Nos plantões diários de enfrentamento ao coronavírus em uma UBS, na zona leste de São Paulo, não é raro que a médica generalista Liliane Bastos receba pacientes com sintomas de ansiedade relacionados à pandemia. Um desses casos — uma mulher casada, aproximadamente 25 anos, com muita falta de ar — chamou sua atenção.

“Estava nervosa e chorava bastante. O marido disse que faria algo com ela caso os filhos tivessem qualquer sintoma da covid-19.

Para Liliane, o pânico de sua paciente é sintoma de mais um desafio trazido pelo coronavírus. Diante da recomendação da Organização Mundial da Saúde de permanecer em casa, o Brasil também tem que dar conta do agravamento da violência doméstica: seguindo as previsões da ONU Mulheres e do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, houve aumento de 17% no registro de denúncias pelo canal Ligue 180. No país em que, só em 2019, 7 a cada 10 vítimas de feminicídio foram mortas dentro de seus lares, ficar em casa certamente não signficia se manter segura.

Segundo pesquisadora de gênero, especialista em sociopsicologia e relações públicas Gabriela Moura, este é um momento prematuro para determinar uma causa única para o aumento da violência doméstica, durante a quarentena.

“Estamos falando de um problema que não tem gênese única. A pandemia acaba acarretando em um estresse maior para pessoas: ficar em casa é uma coisa, ficar em casa porque o mundo exterior é perigoso é outra. Além da situação de insegurança econômica, a proximidade física e o aumento do uso de substâncias como fuga que também faz com que os parceiros se tornem mais violentos”, explica Moura, que foi destaque na web com o artigo “Violência contra a mulher aumenta com a pandemia de covid-19“. Embora frise a importância do confinamento no controle da pandemia, a ativista não deixa de cobrar as devidas ações das autoridades na proteção de camadas mais vulneráveis da sociedade.

“O fim da quarentena não acabará com a violência doméstica. Sabemos que o nosso sistema de proteção a mulher já é deficitário. Essa discussão já acontece há anos em relação ao horário de funcionamento da delegacia da mulher ou o atendimento que deixamos de receber em hospitais. É uma obrigação do Estado proteger essas mulheres. Assim como proporcionar abrigos e proteção para que mulheres possam se manter afastadas desses homens, além de incentivar canais de denúncia. ”

Socorro online

A promotora de Justiça de São Paulo Gabriela Manssur é uma das figuras que tem articulado novas redes de luta contra a violência de gênero. Ela está a frente do projeto Justiceiras, uma iniciativa com 500 voluntárias na área do Direito, Psicologia e Assistência Social que visa acolher mulheres vítimas de violência doméstica na quarentena. De acordo com Manssur, a ideia do projeto é eliminar a dificuldade no deslocamento para buscar ajuda e contribuir com as informações necessárias para que a mulher possa denunciar o agressor.

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“Essas mulheres não conseguem sair de suas residências não só pela recomendação de ficar em casa, mas também porque elas estão sob os olhares do agressor. Se já há uma situação de violência, agora com a quarentena, essas mulheres ficam muito mais expostas ao controle e agressividade”, explica.

“Esse projeto não terá uma atuação de atos de execução, mas informar o que fazer, quem procurar, quais são os locais no qual essa mulher pode se dirigir.”

Por Nayara Fernandes

Segundo Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres, denúncias de violência doméstica aumentaram 17% no Brasil após decreto de quarentena para conter coronavírus

 

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