Para virar lei, proposta só precisa ser sancionada por Bolsonaro
(O Globo, 07/02/2020 – acesse no site de origem)
O Plenário do Senado aprovou quarta-feira, dia 7, o projeto de lei que estabelece a medida protetiva de encaminhamento de homens agressores de mulheres a centros de educação e reabilitação psicossocial. Com isso, o que antes era aplicado apenas após a condenação, passa a poder ser solicitado pelo juiz em qualquer momento do processo. O PL 2/2016 altera a lei Maria da Penha, de 2006, e segue agora para sanção presidencial.
Pesquisa realizada pelo DataSenado em dezembro de 2019, mostra que 27% das 2.400 mulheres ouvidas declararam já ter sofrido algum tipo de agressão e 195 afirmaram que o episódio ocorreu no último ano. Entre os tipos mais comuns de violência estão a física, com 66%, a psicológica, com 52% e a moral, com 36,5%. Companheiros e ex-companheiros são os principais agressores, com 41% e 37,5% respectivamente.
O projeto proposto pelo Senado não é inédito no Brasil. A iniciativa pioneira foi o Grupo Reflexivo de Homens, criado em 2012, no Rio Grande do Norte. Grupos de 15 homens, de variadas idades e profissões, que respondem a processo judicial por violência contra a mulher participam de 10 encontros, de duas horas cada um. Neles, discutem temas como controle de raiva e agressividade, direitos humanos das mulheres, Lei Maria da Penha, comportamentos de risco, como abusos, paternidade, divisão de tarefas, entre outros. A presença em todos os encontros é obrigatória para garantir benefícios no processo. Ao todo, 800 homens em 25 municípios do estado já participaram. A reincidência foi nula.
Proteger a mulher é o centro da Lei Maria da Penha. Aplicar a recuperação e o acompanhamento do agressor como medida protetiva reforça a ideia de que trabalhar com o homem na modificação dos padrões socioculturais do machismo é também resguardar a integridade física e psíquica da mulher — afirma Erica Canuto, promotora coordenadora do projeto do Rio Grande do Norte.
— Esta é a grande chance que temos de trabalhar e modificar essa violência. Não adianta somente encarcerar e punir. O que realmente modifica o padrão é a educação. Isso é cultural, a violência é aprendida —.
Em São Paulo, o Tempo de Despertar — Ressocialização do Autor de Violência contra a Mulher, virou lei. O projeto, que visa combater a violência contra as mulheres, bem como promover o acompanhamento e reflexão dos autores, foi idealizado pela promotora de Justiça Gabriela Manssur. Desde 2014 ela faz encaminhamentos de casos e atuou pela aprovação da lei municipal. Ao todo, o Ministério Público Estadual de São Paulo atendeu 550 homens, registrando apenas 2% de reincidência.
Diferente do Rio Grande do Norte, na iniciativa paulista os homens são encaminhados através de medidas protetivas. Os encontros acontecem de forma quinzenalmente e têm duração de 2h30 cada.
— Como medida protetiva rompemos o ciclo da violência. Após a condenação é importante, mas antes é o período mais perigoso, quando a violência é intensificada porque o homem se vê prejudicado pela denúncia. É uma determinação judicial, com riscos analisados para os dois lados e com penalidade pelo descumprimento. O número de permanência seria muito baixo caso a presença fosse opcional — ressalta a promotora.
Os homens são acompanhados por equipes formadas por profissionais das mais diversas áreas, como psicólogos, assistentes sociais e advogados. Nos encontros, eles discutem o papel do homem, os direitos da mulher, a lei Maria da Penha, além de trocarem experiências.
No município de São Paulo, segundo a prefeitura, mais de 100 homens foram encaminhados, observando uma eficácia de 100%, já que nenhum se tornou reincidente.
Por Alice Cravo