Mesmo sem oferecer suporte, mais da metade das corporações acham que deveriam ajudar funcionárias nessa situação
(Terra, 08/11/2019 – acesse no site de origem)
Antes de você chegar ao fim da leitura deste texto, uma mulher foi vítima de violência doméstica. De acordo com dados recentes do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a cada dois minutos, uma brasileira sofre algum tipo de agressão em casa – e essa vítima pode estar, neste momento, trabalhando ao seu lado.
Pelo tamanho do problema, o assunto deveria ser tratado como responsabilidade de todos, incluindo governo, civis e empresas privadas. Mas, apesar de 68% das companhias acharem que esse é um assunto que deve ser encaminhado no ambiente corporativo, o mesmo percentual admite que não oferece nenhum tipo de apoio à funcionárias que sofrem com casos de violência doméstica.
Os dados são resultado da pesquisa “A violência e o assédio contra a mulher sob a perspectiva corporativa”, realizada pelo o Instituto Maria da Penha, o Instituto Vasselo Goldoni e a consultoria de recrutamento Talenses, com apoio da ONU Mulheres.
A amostra foi elaborada no segundo semestre deste ano e contou com a participação de 311 empresas com atuação no Brasil. Metade delas com um quadro de funcionários formado majoritariamente pelo público feminino.
A professora Maria José Tonelli, titular no Departamento de Administração Geral e Recursos Humanos na FGV, que participou da elaboração da pesquisa, chama a atenção dos empresários para um dado interessante, que contribui para o discurso de incentivo ao apoio às vítimas de violência doméstica por parte das companhias.
“Uma pesquisa anterior feita pelo Instituto Maria da Penha mostrou que, em média, as funcionárias que foram vítimas de abusos desse tipo se ausentam 18 dias ao ano no trabalho. Esse desfalque pode representar perda de até R$ 1 bilhão para a economia do País”.
Para ela, é de extrema importância que se tenha um olhar e um cuidado com o tema, “mesmo que aconteça fora das organizações, já que o impacto as atinge”.
“A empresa é o local no qual a maioria das mulheres passa a maior parte de seus dias e tem relação direta com a vida dos profissionais. Por isso, é responsabilidade das companhias oferecer informações sobre a prevenção do assédio e violência e acolher da forma correta as mulheres que já passam por essas situações”, pontua Rodrigo Vianna, Diretor da Talenses e membro da Aliança para Empoderamento da Mulher.
Ainda segundo o levantamento, apenas 25% das empresas realmente monitoram e atuam em casos de mulheres que sofrem com algum tipo de violência, enquanto 55% delas afirmaram não agir nesse sentido e outros 19% não sabem comentar o assunto.
Os três principais motivos que levam as empresas a não fazer esse monitoramento são: não está na agenda prioritária da organização (33%), falta de apoio da liderança (12%) e dificuldade de mensurar e controlar (12%).
O papel das empresas
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que 52,2% das vítimas de violência doméstica trabalham. Contudo, 24,9% não são economicamente ativas, traz o foco da discussão para outro desafio: empregar as mulheres que estejam passando ou já passaram por esse tipo de situação.
A promotora de justiça Gabriela Manssur, conhecida por seu trabalho de combate à violência contra mulher, afirma que uma em cada três das vítimas que não denunciam seus agressores tem como principal motivo a dependência financeira.
Para ela, ter oportunidades de emprego voltadas para essas mulheres também deve estar no radar das organizações.
Investimento é baixo
Em 2017, Denise Neves dos Anjos, de 37 anos, foi assassinada pelo marido. Na época do crime de feminicídio, ela trabalhava como gerente de uma loja da Magazine Luiza em Campinas.
O caso repercutiu na mídia e dentro da empresa, sensibilizando todos, incluindo a ex-presidente da empresa, Luiza Helena Trajano, que decidiu então criar um canal interno para que os funcionários pudessem denunciar casos de violência doméstica, oferecendo suporte e apoio às colaboradoras.
Em dois anos desde a criação da plataforma, 301 casos foram reportados. “Temos uma equipe de psicólogos terceirizados que ajudam no acolhimento dessas mulheres e também nossos funcionários da empresa que ajudam a encaminhar as vítimas para órgãos públicos e responsáveis por darem continuidade e suporte adequado, por isso o custo com esse canal é muito baixo”, conta Samir José e Silva, gerente de gestão de pessoa da empresa.
Manssur lembra que, para o Estado, uma vítima de violência doméstica custa R$ 2.500 por mês. “Quanto vai custar para uma empresa? E quanto a empresa vai lucrar ao ter a sua marca relacionado ao tema de maneira positiva?”, questiona.
“60% dos processos criminais das varas e promotorias de justiça são sobre casos desse tipo. Essa não é só uma responsabilidade do poder público, é uma questão social e as empresas fazem parte disso”, finaliza.
Por Marina Teodoro