Hoje, no país, talvez o maior desafio para avançarmos no enfrentamento à violência contra a mulher esteja no discurso do núcleo duro do bolsonarismo, onde a figura da mulher que não se submete ao “poder fálico”, como a da jornalista Patrícia Campos Mello, é frontalmente atacada
(Coluna/Epoca.Globo.com, 16/02/2020 – acesse no site de origem)
O discurso de ódio direcionado à jornalista Patrícia Campos Mello nesta semana pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL), em sua conta no Twitter, ao validar uma declaração vulgar e falsa do depoente da CPI das Fake News Hans River do Rio Nascimento, é uma violência de gênero, antes de tudo. “Eu não duvido que a senhora Patrícia Campos Mello, jornalista da Folha, possa ter se insinuado sexualmente, como disse o senhor Hans, em troca de informações para tentar prejudicar a campanha do presidente Jair Bolsonaro”, escreveu Eduardo Bolsonaro.
A violência contra a mulher é qualquer ato ou conduta baseada no gênero que leve à morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico, tanto na esfera pública como na esfera privada. A partir dessa definição, adotada desde os anos 90 na internacional
Convenção de Belém de Pará, os Estados democráticos têm encaminhado suas políticas de enfrentamento à violência contra a mulher, incluído aí o Brasil, que massificou o debate e as políticas nesse sentido nos últimos vinte anos. Os desafios para a redução dos números de feminicídio, estupro e violência psicológica, entre outros crimes, são muitos.
Mas hoje, no país, talvez o maior desafio para avançarmos nesse cenário esteja no discurso do núcleo duro do bolsonarismo, onde a figura da mulher que não se submete ao “poder fálico”, como a de Patrícia Campos Mello, é frontalmente atacada.
Desde que produziu reportagens sobre as estratégias escusas da campanha bolsonarista nas eleições de 2018, Campos Mello é atacada pelos Bolsonaros e seus seguidores, num caso que já repercutiu internacionalmente pelo grau de violência que alcançou. Nesta semana, mais um episódio foi incorporado a essa narrativa de ódio, liderada pelo 03, Eduardo.
Na minha função de diretora de uma organização que jornalismo de dados, acompanho diariamente discursos públicos de parlamentares, e mesmo já ciente dos absurdos que são capazes de proferir, ainda li com espanto a mensagem do deputado nesta semana, ao mesmo tempo em que me perguntava, mais uma vez, como as instituições democráticas podem agir para que esse tipo de violência contra a mulher, e contra jornalistas no exercício da sua função, seja rechaçada e punida.
Para os cidadãos entusiasmados com o bolsonarismo ou aqueles que carregam a bandeira anti-esquerda, eu preciso alertar que isso não é sobre “direita” ou “esquerda”. Isso é sobre caráter, para início de conversa. Aliás, sobre a absoluta falta de caráter. Opinar sobre algo é um direito de qualquer parlamentar, mas desqualificar o trabalho de uma jornalista nesses termos é um convite ao ataque massivo a ela nas redes sociais, nos mesmos termos vulgares.
E o deputado, conhecedor da dinâmica das redes, sabe bem disso. Não seria exagero, portanto, dizer que o que Eduardo Bolsonaro fez foi também incitação à violência de gênero.
Diante do ocorrido, também foi importante constatar o sepulcral silêncio que reinou no seu partido, o PSL. Ninguém disposto a chamar a atenção ao escandaloso comportamento do “filho do chefe”. Enquanto isso, organizações da sociedade civil, de direitos humanos, organizações feministas e de mídia se levantaram, produziram documentos de apoio à jornalista.
Sem dúvida, algo que precisava ser feito, mas ainda pouco efetivo para o tamanho do problema que está posto. Parlamentares violentos e irresponsáveis como Eduardo Bolsonaro precisam responder publicamente, à Justiça e ao Congresso, por violências como essa – que podem escalar e se tornarem ameaças reais à integridade física e psicológica – ou iremos aceitar a banalização total dos ataques de ódio a mulheres.
Giulliana Bianconi é diretora da Gênero e Número.