Perda gestacional: mães falam sobre falta de privacidade e de apoio nos hospitais quando ocorre aborto espontâneo

15 de outubro, 2024 g1 Por Fernanda Bastos

No Dia Internacional da Conscientização da Perda Gestacional e do Recém-nascido, lembrado nesta terça (15), g1 mostra relatos de mulheres que enfrentaram problema. Falta de leitos separados, falta de comunicação e despreparo das equipes de saúde afetam mães que perdem bebês.

No Dia Internacional da Conscientização da Perda Gestacional e do Recém-nascido, lembrado nesta terça-feira (15), o g1 conversou com quatro mães que vivenciaram este momento em hospitais públicos e privados do Distrito Federal. Elas falam da falta de privacidade, da falta de leitos separados e da falta de comunicação e de preparo das equipes que atendem quem sofreu um abortamento.

“Você vê todo mundo sair com um bebê no colo, e você acabou de deixar um lá. Não tem apoio psicológico, não tem estrutura, nem acolhimento. Assim como o parto deve ser humanizado, a perda gestacional também deve ser”, diz a arquiteta Juliana Molisani.

Atualmente com 39 anos, Juliana perdeu um bebê em 2020. No terceiro mês de gestação, ela descobriu a gravidez anembrionada – quando o óvulo fertilizado se implanta no útero, mas não há desenvolvimento do embrião.

“Estava grávida, mas não estava grávida. É uma situação perturbadora”, diz Juliana.

A arquiteta conta que assim que deu entrada em um hospital particular de Brasília, por volta das 10h da manhã, já no processo da perda gestacional, foi encaminhada para a recepção da maternidade e ficou ao lado de várias mulheres grávidas.

“Começou a vazar ali mesmo. Eu estava com absorvente, mas não tinha como segurar. A minha urgência na hora era ‘eu preciso sair daqui’, porque estava me fazendo mal ficar ali. Percebi até que as gestantes estavam desconfortáveis, porque ninguém sabia o que estava acontecendo”, lembra Juliana.

Por não existir uma ala específica para mães que perderam bebês, Juliana foi levada para um box onde uma enfermeira disse a ela que estava “muito cedo” para o parto. “Eu tive que explicar, ‘mas não é um parto, é uma resolução de gravidez, eu estou perdendo’. Ela [a enfermeira] ficou perdida, sem saber o que fazer. Teve muito despreparo, não era o local para esse tipo de pergunta”, diz Juliana.

Depois de 11 horas de espera, Juliana passou pelo procedimento de retirada do bebê. “Eu fiquei o dia inteiro expelindo material, com outras mães ao meu redor e bebês chorando. Saí de lá 00h quando fui liberada para ir para casa”.

“A saída é pelo mesmo lugar que as mães saem quando estão com as crianças no colo. Saí com essa sensação enorme de perda, ‘estou saindo sem segurar nada’. Outras mães saindo e os olhares. Foi bem constrangedor. O lugar onde você deveria se sentir segura, não teve nada disso”, afirma Juliana.

‘Achei que tinham perdido o corpo do meu filho’

A psicóloga Mayara Espíndola Andrade, de 35 anos, passou por uma perda gestacional há cinco meses. Com 20 semanas, na sua primeira gestação, houve uma ruptura da bolsa gestacional que envolve o embrião.

Ela foi atendida na mesma maternidade privada que Juliana Molisani, e passou pelos mesmos caminhos, só que sem saber que estava perdendo o seu bebê.

“Passaram muitas horas até um médico explicar o que estava acontecendo. Até lá enquanto eu estava esperando e sempre avisavam que iria demorar para eu ser atendida, porque tinham mulheres parindo. Os médicos estavam preocupados com as mulheres que iam ter filhos vivos e eu tive que esperar no box. Foi solitário e desgastante. […] Senti que perder o meu filho era menos importante do que cuidar de uma mãe que iria sair com o filho vivo”, diz Mayara Espíndola.

A psicóloga só foi para o quarto depois de 15h de espera – o quarto foi o mesmo que ela tinha visitado um dia antes do aborto, quando foi conhecer o local onde teria seu filho. No corredor, Mayara lembra que viu os nomes dos bebês nas portas e ouviu as enfermeiras conversarem sobre os recém-nascidos.

“É horrível por tudo, mas é chocante, porque cada vez que abria a porta e eu via eu lembrava. Na saída, tinham pessoas chegando com flores, com balão, até o momento de entrar no carro, a gente ficou vivendo essa realidade – de pessoas saindo com filhos e nós passando pela pior experiência das nossas vidas”, diz Mayara Espíndola.

Mayara ficou dois dias no hospital e em um único momento uma psicóloga passou no quarto para oferecer atendimento. Além disso, depois de se despedir do filho, o corpo do bebê foi levado para a biópsia e, mais tarde, após o corpo ter sido levado para um laboratório errado, a equipe não sabia informar onde estava o bebê.

“Eu achei que tinha perdido o corpo do meu filho, isso é um descaso. Passei dois dias tentando descobrir onde ele estava”, lembra Mayara.
A psicóloga e especialista em perinatalidade e luto, Alline Meireles, explica que por mais que perdas gestacionais ocorram e o luto faça parte da vida, dentro das maternidades existe um tabu muito grande.

“A morte na maternidade é jogada para debaixo do tapete, ela é escondida. Ninguém encara como algo real, que a instituição precisa lidar com isso e os profissionais também.Todos querem esconder essa morte que aconteceu e não cuidar dela”, diz Alline Meireles.

‘Choro silencioso’

Na oitava semana de gestação, Filomena de Oliveira Cintra e Silva perdeu o seu bebê, aos 33 anos. Em 2009, depois do procedimento da curetagem – raspagem da parede do útero para remover o embrião – em um hospital particular de Brasília, ela lembra que ficou na mesma sala de pós-operatório com outras mães e bebês.

“Me colocaram em um canto da parede e eu chorando aquele choro silencioso. Eu cheguei a ver a mãe na maca com o bebê e aquilo doeu bastante. Enquanto eu estava tendo a experiência da perda do meu sonho, no mesmo lugar uma mãe estava com o seu bebê, duas realidades totalmente diferentes”, diz Filomena.
Quando ela foi transferida para o quarto, dentro da maternidade, as placas em cada porta com o nome dos bebês também ficaram registradas na memória. “Lembro de olhar para as portas com os nomes dos bebês e a sensação de anestesia, como se estivesse fora do corpo, observando aquilo que não era mais minha realidade”, diz Filomena.

Depois de passar por outra perda gestacional, em 2018, Filomena de Oliveira Cintra e Silva decidiu que precisava falar sobre o assunto e criou um grupo para acolher mulheres que perdem seus bebês. Ela conta que fez uma postagem sobre o relato de dor em uma rede social e várias mulheres comentaram. “Mães vivenciam essa dor e não são acolhidas”, afirma.

“O fato de lidar com a morte, no momento que se espera a vida, é difícil. Mas é preciso ter consciência e respeito, pois a nossa dor não se resume apenas à perda do filho ou filha, mas também no tratamento dos profissionais de saúde, na compreensão e conscientização de familiares, amigos, colegas de trabalho e a sociedade como um todo”, afirma Filomena.

📌Para participar do grupo, as mães podem entrar em contato com o telefone 61 98129-2627.

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