O acesso à informação clara e de qualidade é o primeiro passo para que a mulher seja plenamente respeitada no nascimento do bebê
Dar à luz é um momento delicado por diversos fatores – há a ansiedade pela chegada do pequeno, as dores físicas, o medo de como o parto vai evoluir… Nesse cenário, respeito e acolhimento são primordiais para garantir à mulher o atendimento digno ao qual ela tem direito, seja na rede pública de saúde ou em instituições privadas. O noticiário mostra, porém, que não são raros os casos de violência obstétrica – aquela que, de acordo com a cartilha lançada pela OAB/DF em outubro de 2024 sobre o tema, é “todo ato ou procedimento praticado com a gestante que reduza a sua capacidade de escolha, viole a sua autonomia e que não tem nenhum embasamento científico para ser feito. Tudo o que é feito no corpo sem consentimento e sem necessidade é violência obstétrica”.
Ser xingada, amarrada, proibida de gritar, impedida de se alimentar, permanecer nua contra a vontade, ficar sem comunicação, não receber as informações adequadas, ser proibida de ter um acompanhante, ter o bebê afastado logo após o parto sem necessidade médica e passar por episiotomia rotineira são apenas alguns exemplos desse tipo de violência que, embora fira os direitos das parturientes, ainda acontecem. E é justamente pela recorrência de ações como essas que é importante que as mulheres tenham acesso à informação, a fim de que conheçam os seus direitos.
“Gosto muito de destacar que o direito principal da mulher é a informação gratuita e de qualidade. Tem que começar no pré-natal, e essa é uma obrigação do Estado. Mas o nosso pré-natal é falho no Brasil e isso culmina em vários desfechos negativos no parto”, afirma Ruth Rodrigues, advogada especialista em violência obstétrica e presidente da Comissão de Combate à Violência Obstétrica da OAB/DF.
Lei do Acompanhante
Desde 1990, a Lei nº 8.080/90, que criou o Sistema Único de Saúde (SUS), determina que a mulher tenha direito a um acompanhante durante o trabalho de parto, o parto e o pós-parto imediato. Quinze anos depois, em 2005, foi criada a chamada Lei do Acompanhante (11.108/05), que alterou a 8.080/90, garantindo que a parturiente pudesse escolher a pessoa que ficaria com ela, sem necessidade de parentesco. Recentemente, porém, ela foi revogada pela nova Lei 14.737/2023, que estendeu o direito a todas as mulheres (não apenas gestantes), principalmente em procedimentos que baixam a consciência ou sedam a paciente.
Embora represente um benefício para a população feminina em geral e seja estendida ao atendimento público e privado, Ruth Rodrigues explica que a nova lei pode, em certos casos, gerar alguns entraves às parturientes. “Na hora do parto, se ele vai ser feito no centro cirúrgico, é preciso que o acompanhante seja uma pessoa da área de saúde. E não estou falando só de cesárea, já que a maioria dos partos acontece nos centros obstétricos, que ficam dentro do centro cirúrgico”, pontua.
Direitos amparados por diversas frentes
Ainda de acordo com a Lei nº 8.080/90, que estabeleceu o SUS, todo cidadão “tem direito a atendimento humanizado, acolhedor e livre de qualquer discriminação”, “a atendimento que respeite a sua pessoa, seus valores e seus direitos”, entre outros. Além disso, os direitos das gestantes no Brasil são amparados não apenas por leis, como explica a advogada especialista em violência obstétrica. “Nós temos também portarias e uma política pública toda construída a partir dos anos 2000 que versa sobre a humanização na assistência ao parto e nascimento. A primeira delas é a Portaria nº 569 de 2000 [do Ministério da Saúde], que fala sobre a rede de humanização do parto e nascimento no Brasil. Fala justamente sobre humanizar, atender adequadamente e com base em evidência científica, respeitando a autonomia da mulher”, destaca Ruth Rodrigues.
A especialista lembra, ainda, que o país é signatário de alguns tratados internacionais que também abordam a proteção e a garantia dos direitos humanos das mulheres. “Quando falamos de violência obstétrica, falamos de violência de gênero, de uma violação de direitos humanos das mulheres, e as mulheres estão protegidas pelos tratados internacionais que o Brasil assinou. São dois tratados principais: a Convenção de Belém do Pará, de 1994, e a CEDAW (Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher) de 1979, que é da ONU, ratificada pelo Brasil em 1981. As duas têm força de norma constitucional aqui pelo nosso ordenamento jurídico e elas devem ser aplicadas nos casos de violência obstétrica”, reforça.
Direitos da gestante no parto
Na Cartilha elaborada pela Comissão de Combate à Violência Obstétrica da OAB/DF, uma série de direitos da parturiente são elencados de maneira clara, para que sejam facilmente apreendidos e difundidos. Eles são garantidos pelo conjunto de leis e portarias que versam sobre a proteção da mulher grávida, como explica Ruth. “São direitos que estão espalhados através dessas normas, que constroem a política pública de assistência humanizada no parto e nascimento”, reforça.
Confira, a seguir, esses direitos:
- direito de ter o acompanhamento de pré-natal até o parto;
- direito de se movimentar durante todo o trabalho de parto;
- direito de escolher a posição em que quer parir;
- direito de se alimentar e tomar líquidos durante o trabalho de parto;
- direito de ter o seu bebê em contato pele a pele assim que ele nascer e alimentá-lo na primeira hora (caso ele nasça bem e não precise de qualquer suporte). Não precisa lavar ou
- limpar o bebê assim que nasce.
- direito de cortar o cordão umbilical somente depois que ele parar de pulsar (se o bebê estiver bem e não precisar de nenhum suporte);
- direito de não ser separada de seu bebê em nenhum momento, sendo que todos os procedimentos de pesagem e medição podem ser feitos no colo da mãe e depois de uma hora;
- direito de recusar os procedimentos que serão feitos no seu filho, como aspiração das vias aéreas, aspiração gástrica e uso de nitrato de prata;
- direito de ter consigo um acompanhante durante todo o trabalho de parto, parto e pós-parto, independentemente de ser uma mulher ou um homem. O acompanhante é de livre
- escolha da parturiente;
- direito de ser informada sobre todo e qualquer procedimento a ser realizado no seu corpo, devendo concordar com o procedimento antes da sua realização;
- direito à presença de uma doula, independentemente de ter um acompanhante.