Mais de 10 mil vereadoras têm um novo mandato em 2025. Com mais mulheres nas Câmaras Municipais, a expectativa é que as pautas para as infâncias ganhem força
As Câmaras de Vereadores têm um corre-corre próprio da política institucional, com adultos apressados pelos corredores. Mas, por vezes, esses lugares têm também o corre-corre das crianças. A cena é um tanto rara, porém, acontece com mais frequência à medida que as mulheres — muitas delas mães — passam a ocupar os espaços de poder. Isso porque a chegada de mais mulheres na política pode trazer visibilidade para diversos debates sociais que dizem respeito às infâncias no país.
Neste ano, 10.603 vereadoras assumiram novos mandatos nos municípios do Brasil. Ou seja, a cada 10 Câmaras, de 8 a 9 têm vereadoras mulheres. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), elas representam 18% das cadeiras, o que significa um aumento em relação às eleições de 2020, em que eram 16%. Nas capitais, o número é um pouco maior, pois as mulheres são agora 21% do total de pessoas na vereança. Diante deste cenário, surge a pergunta: de que modo a presença de mais mulheres criando as nossas leis pode influenciar os direitos das crianças e adolescentes?
Piedade Marques, porta-voz da iniciativa social “Eu Voto em Negra”, aponta que, diferente dos homens vereadores, as mulheres eleitas permanecem em seus territórios. Desse modo, ela percebe que isso “mantém a conexão com a população e com as necessidades reais das pessoas, especialmente as de outras mulheres”.
Igualmente, a co-fundadora do coletivo Política é a Mãe (Poema), Ana Castro, concorda com esse apontamento. Ana, que também é ativista pelos direitos humanos, das crianças e das mulheres, considera que, atualmente, se existem políticas públicas que protegem as crianças, elas são fruto da atuação das mulheres. Especialmente das que são mães e que se mobilizam dentro e fora da política partidária.
“Um homem decidindo sobre transporte público pensa se a frota precisa ser renovada e no lucro das empresas que participarão da licitação. Mas, quem se preocupa em suprir necessidades reais das pessoas que vivem nas cidades são as mulheres. É fácil subir nesse ônibus com carrinho de bebê? A rota desse ônibus facilita a vida das mães – sejam elas mães de crianças com deficiência ou mães periféricas?”
Força política depende de quantidade maior de mulheres
Ana Castro defende que uma cidade pensada para crianças e pessoas mais vulneráveis será boa para todos os cidadãos e cidadãs. Por isso, ela alerta que não se pode esquecer que ainda é preciso lutar pelo básico. Isso passa por acessos e melhorias da segurança alimentar, da qualidade das escolas, da mobilidade urbana dentre outros assuntos.
Nesse sentido, a ativista tem expectativas para São Paulo, lugar onde mora. A capital paulista ficou com 36% da Câmara composta por vereadoras, e é uma das cinco capitais brasileiras que atingiu ou superou o marco de 30% das cadeiras ocupadas por mulheres. As outras cidades são Curitiba (32%), Porto Alegre (31%), Boa Vista (30%) e Cuiabá (30%), conforme dados do TSE.
O marco de 30% é uma referência frequentemente usada para pensar a equidade de gênero no trabalho ou na política. O conceito foi popularizado pela pesquisadora Rosabeth Moss Kanter, da Harvard Business School. A explicação se baseia em uma ideia simples, de que abaixo desse percentual, as mulheres (ou outros grupos sub-representados) tendem a ser vistas como exceções ou figuras isoladas sem força para influenciar. Isto é, sem essa quantidade necessária de representantes, o grupo não teria impacto real. Portanto, o marco de 30% é como um ponto de partida para uma transformação que, aos poucos, pode mudar não apenas quem ocupa os espaços, mas também como as decisões são feitas.
Representatividade: de quais mulheres estamos falando?
Apesar da ideia de um grupo de mulheres ser homogêneo, existem camadas de diversidade observando os diferentes marcadores identitários, como os de raça, classe, orientação sexual e identidade de gênero, com ou sem deficiência. Assim, essa diversidade também pode implicar no olhar de cada representante às pautas políticas.
“Penso que um dos principais ganhos ao termos mulheres negras, indígenas e periféricas no poder é porque elas trazem visibilidade para temas que poderiam ser facilmente ignorados”, diz Piedade Marques.
Ela lembra que, na época da alta dos casos de microcefalia e malformação cerebral em função da epidemia do vírus zika, no Nordeste, foram as mulheres nordestinas, negras e periféricas que conseguiram chamar atenção para o problema, melhorando o atendimento da saúde pública.
Atualmente, considerando alguns marcadores identitários, a partir dos dados do TSE analisados pela Funai, Alma Preta Jornalismo e Associação Nacional de Travestis e Transsexuais (Antra), o cenário é de um aumento de pessoas negras e indígenas eleitas. Já entre as pessoas trans, houve uma pequena redução comparada a 2020.