Uma mulher negra no TSE é um ato de reparação histórica de profundas implicações institucionais
É tempo de coragem para firmar um novo marco dentro do projeto de democratização e pluralização do Poder Judiciário.
A nomeação da ministra substituta Vera Lúcia Santana Araújo para a titularidade no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, representa mais que um gesto político ou um avanço simbólico: trata-se de um ato de reparação histórica de profundas implicações institucionais, sociais e raciais.
Em 92 anos de existência, a mais alta instância da Justiça Eleitoral jamais teve uma mulher negra ocupando uma cadeira titular. Este seria um passo inédito e necessário. Mais ainda em tempos de retração democrática em nível mundial, em que assegurar equidade às condições de disputa e garantir a legitimidade do pleito eleitoral são prioridades.
Hoje, juntamente com Edilene Lôbo como ministra substituta —ambas alçadas ao tribunal por este governo—, a sua nomeação seria um grande feito, mas apenas parte do trajeto a ser percorrido. A sua presença como ministra titular, a partir de indicação pelo Supremo Tribunal Federal, coloca a população negra, a mulher negra, de forma definitiva, na história da mais alta corte eleitoral do Judiciário Brasileiro.
A trajetória jurídica de Vera Lúcia evidencia um compromisso inegociável com os valores democráticos, a justiça social e os direitos humanos; mas não só. Advogada com técnica exemplar, com destaque à larga experiência com o processo eleitoral, também atuou como conselheira da Comissão de Anistia Política e do Conselho Nacional de Combate à Discriminação do Ministério da Justiça e em muitos outros coletivos de construção democrática e por igualdade racial.
Haverá um recado inequívoco à sociedade brasileira com sua sua ascensão à titularidade: o de que o Brasil está disposto a romper com os alicerces da exclusão racial e de gênero e, ao mesmo tempo, a avançar na permanente qualificação de sua corte eleitoral, requisitos que Vera Lúcia somará ao pleno, com o seu notório saber jurídico, a larga reputação acadêmica e o reconhecimento entre os pares.
É fundamental que o retrato de uma mulher negra integre a galeria dos ministros do Tribunal da Democracia —um detalhe, aparentemente formal, mas de enorme peso simbólico e histórico. É assim, concretamente, que quebramos as barreiras institucionais que invisibilizam mulheres negras em espaços de poder.
É importante destacar que essa escolha também significa seguimento a uma praxe institucional que tem pautado o funcionamento do TSE: a promoção de ministras e ministros substitutos à condição de titulares. Esse critério, historicamente respeitado, corretamente assegura estabilidade, continuidade e reconhecimento do trabalho técnico e ético desenvolvido na suplência.
Desviar desse caminho seria uma contradição institucional a nutrir estigma inescapável de exclusão, sobretudo porque a mesma corte a nomeou para presidir a Comissão de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, Sexual e da Discriminação, bem como para compor a direção de sua Escola Judiciária Eleitoral e integrar tanto seu Comitê quanto sua Comissão de Promoção.
No Executivo, a presença de mulheres negras e indígenas em ministérios centrais —como Anielle Franco, Sonia Guajajara, Margareth Menezes, Macaé Evaristo, Luciana Santos, Marina Silva— inaugura um novo paradigma de governo.
No Judiciário, as nomeações de Daniela Teixeira ao STJ, de Verônica Sterman ao STM e de Maria Elizabeth Rocha à presidência do STM —primeira mulher a presidir a corte em seus 217 anos—, apontam para o rompimento de uma longa tradição de homogeneidade.
Com a histórica nomeação da ministra Maria Elizabeth Rocha ao STM, em 2007, como a primeira mulher a ocupar uma vaga destinada à advocacia naquele tribunal, o presidente Lula iniciou uma ruptura concreta com o paradigma excludente que por mais de dois séculos marcou o perfil do Judiciário militar.