- Nunca uma mulher negra foi nomeada ministra do STF
- Por que mulheres, especialmente negras, não gozam do status de confiança de presidentes?
Cotada para a vaga aberta do STF e indagada pela jornalista Fabíola Cidral sobre se é um sonho ser Ministra daquela Corte, a jurista Vera Lúcia Santana respondeu: “A nós, mulheres negras, o racismo e o machismo que se entrecruzam estabelecem limites até para o sonhar”. A Constituição Federal prevê a nomeação de ministros ao STF pelo presidente após aprovação pelo Senado. O candidato deve ser brasileiro nato, ter entre 35 e 65 anos, notável saber jurídico e reputação ilibada. A experiência recente mostra que, à lista de requisitos constitucionais que apresentam certo grau de subjetividade, foi adicionado mais um: a confiança do Presidente na pessoa indicada.
A prerrogativa presidencial de indicar ministros ao STF e a natureza subjetiva dos critérios de seleção cria ambiente propício para que a afinidade pessoal e política se sobreponha à qualificação técnica do candidato, o que pode comprometer a independência da Corte. Sendo essas as regras do jogo, é preciso garantir imunidade ao STF a possíveis pressões pessoais, políticas e eleitorais. Em 134 anos de história, ocuparam cargos de ministro do STF apenas 3 homens negros e 3 mulheres brancas. Nunca uma mulher negra foi nomeada ministra do STF. Por que mulheres, especialmente negras, não gozam do status de confiança de presidentes?
O machismo sistêmico perpetua a subordinação das mulheres, criando barreiras que não se aplicam ao grupo dominante, branco e masculino. O problema da desigualdade de gênero se entrelaça à desigualdade social e racial, explicado pelo conceito de interseccionalidade, pelo qual as mulheres negras enfrentam racismo e machismo simultaneamente, a partir de experiências singulares de discriminação, circunstância que as impede até de sonhar.
Cida Bento denominou pacto narcísico da branquitude o acordo tácito, feito entre pessoas brancas para manter situações de poder e privilégios, estruturados em relações de dominação de classe, gênero, raça. Observa a autora que a maioria dos brancos não se reconhece como parte essencial nas desigualdades raciais. É fundamental que a branquitude reconheça os impactos sociais do seu papel na perpetuação do machismo e do racismo estruturais.
A transformação do quadro de desigualdades pelas instituições democráticas será possível se o pacto da branquitude for desfeito. Tais mudanças podem ser alcançadas por meio de ações estruturais e pela implementação de políticas afirmativas, essenciais para promover a inclusão social e enfrentar práticas discriminatórias, como defende Sueli Carneiro. Mesmo diante da possível indicação de outro homem branco ao STF, a luta civilizatória pela equidade não pode arrefecer: deve ser encampada por toda a sociedade a fim de elevar padrões de moralidade, ética e progresso social na busca da redução de injustiças históricas.