Senadoras líderes são mais interrompidas do que homens, mostra estudo

04 de dezembro, 2024 Folha de S. Paulo Por Angela Boldrini

Pesquisa analisou discursos de 1994 a 2018 e encontrou viés de gênero em apartes

“Eu gostaria que vossa excelência, por favor, que vossa excelência ou o senhor não me interrompesse porque é uma linha de raciocínio…”, disse a então senadora Simone Tebet (MDB-MS), em audiência da CPI da Covid, em 2021.

Hoje ministra do Planejamento, Tebet era líder da bancada feminina do Senado quando ficou nos holofotes durante a comissão que investigava a atuação do governo Jair Bolsonaro na pandemia.

Na fala reproduzida acima, ela se dirigia ao depoente do dia, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, para pudesse completar a fala. Na mesma sessão, Tebet teve seu discurso atravessado ao menos 11 vezes pelos homens na sala.

A constante interrupção de Tebet não é caso isolado, mostra um estudo publicado no mês passado na revista Dados, da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). A pesquisa analisou discursos no Senado entre 1995 e 2018 e concluiu que mulheres líderes são mais interrompidas do que homens com os mesmo cargos.

Os dados dos quase 70 mil discursos analisados pelos pesquisadores Débora Thomé, da Fundação Getulio Vargas, e Mauricio Izumi, da Universidade Federal do Espírito Santo, mostram que mulheres que acumulam poder simbólico, como o cargo de líder partidária ou de bancada, têm 12,5% a mais de chance de interrupção que homens na mesma posição.

“Nós tínhamos a hipótese de que as mulheres seriam mais interrompidas sempre”, explica Thomé. Isso não se confirmou, e homens sem posição de liderança têm 7,5% a mais de chance de sofrerem um aparte.

“Mas, quando a mulher passa ter algum poder simbólico, ela passa a ser mais interrompida a ponto de muitas vezes não conseguir completar o raciocínio”, diz a pesquisadora.

E por que isso importa? “O Parlamento é o lugar do discurso, de expor suas ideias. Se a mulher não consegue fazer isso, ela não está ocupando aquele lugar a contento”, afirma.

No caso de mulheres eleitas, que ainda são minoria no Congresso, as relações de poder internas definem o quanto de agenda e efetivo poder político as senadoras e deputadas são capazes de exercer.

Não basta, portanto, estar eleita. “Nós quisemos olhar para isso para ver o quão efetiva é a representatividade feminina na política, porque, se a gente não consegue aumentar o poder das mulheres que estão dentro, fica difícil avançar”, diz Thomé.

A interrupção de uma mulher por um homem que não a deixa completar o raciocínio tem até um nome específico em inglês, que se popularizou nos círculos feministas nos últimos anos: manterrupting (junção de “man”, homem, e “interrupting”, de interrupção).

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