Por volta de 2016, a defensora pública Renata Tibyriçá atendeu uma mulher com deficiência mental. Ela estava grávida, e tinha cerca de 20 anos. De início, a família havia buscado o núcleo de atendimento à pessoa deficiente em São Paulo, coordenado por Renata, para ter apenas atendimento especializado no parto.
(Universa, 18/06/2018 – acesse no site de origem)
Quando Renata questionou sobre o histórico da gravidez, veio a surpresa. “Quase no mesmo dia, um tio, com quem ela dividia o quintal com o restante da família, sumiu. Ela confessou que tinha sido o tio, mas não tinha entendido que tinha acontecido uma violência com ela. Foi um caso emblemático”, relembra a defensora. Um inquérito foi aberto no Ministério Público.
O caso não é isolado. O Atlas da Violência 2018, desenvolvido pelo IPEA, indica que dos 22.918 casos de estupro apurados em 2016, 10,3% das vítimas tinham alguma deficiência. Desse total, 31,1% tinham deficiência mental e 29,6% possuíam transtorno mental. Outro dado chocante é que, entre os casos de estupro coletivo, 12,2% são contra vítimas que têm algum tipo de deficiência.
No Brasil, o estupro é historicamente pouco notificado às autoridades. O Atlas usa como base os números de órgãos de saúde, e calcula que o número real de estupros no Brasil gire entre 300 a 500 mil casos ao ano. A dificuldade para acompanhar o caso tende a aumentar quando a vítima possui algum tipo de deficiência.
Violência de conhecidos
“É uma violência que acontece no âmbito doméstico, no qual o autor mora com essa pessoa ou é um cuidador. Para identificar a agressão, é extremamente complexo: implica à vítima denunciar um familiar. Muitas vezes, a violência [contra a pessoa com deficiência, especialmente mental] é descoberta só na gravidez. É silenciosa”, explica a defensora.
Médica psiquiatra da Unicamp (Universidade de Campinas), a pesquisadora em violência sexual Cláudia de Oliveira Facuri pontua que estudos indicam de 25% a 70% de chances de uma pessoa portadora de deficiência (cognitiva, auditiva, física) sofrer violência sexual.
“Aqueles que cometem violência sexual contra pessoas com deficiência muitas vezes convivem socialmente com umas vítimas para acreditar que o abuso é normal e aceitável. As vítimas podem crescer sem entender a diferença entre comportamentos sexuais apropriados e inapropriados”, detalha a especialista.
Não à toa, o Atlas indica que as violências costumam ser reincidentes. De 649 pessoas com deficiência mental estupradas, 275 foram violentadas mais de uma vez.
A pesquisadora também cita problemas de acessibilidade para deficientes físicos terem acesso aos locais de denúncia, de serem desacreditas e, até mesmo, não receberem atendimento psicológico apropriado.
“Ter alguma deficiência aumenta a chance de sofrer violência, não só sexual, mas também, verbal, emocional, física e financeira.”
Marcos Candido