As falhas no caso do homem preso por estupro e acusado de matar a filha

05 de outubro, 2018

Advogada especialista em direito da mulher aponta que faltam informações para evitar equívocos da Justiça, como o ocorrido em São Roque (SP), quando pai saiu da prisão e teria matado a filha por vingança

(Ponte, 05/10/2018 – acesse no site de origem)

Horácio Nazareno Lucas estava preso desde julho, condenado por estuprar a cunhada com problemas mentais em 2010, na cidade de São Roque, interior de São Paulo. Enquanto ele estava na prisão, sua filha de 13 anos denunciou ter sido violentada pelo pai. A família registrou B.O. (Boletim de Ocorrência). Porém, a pedido da defesa, a Justiça decidiu soltar Horácio, que voltou para casa e é suspeito de ter matado a própria filha. A Ponte conversou com especialistas para apontar quais erros poderiam ser evitados para poupar a vida da garota de 13 anos.

A liberação do homem aconteceu na terça-feira (2/10) e o assassinato da filha na madrugada de quarta-feira (3/10). Segundo a polícia, o homem teria entrado na casa e espancado a mulher, que conseguiu fugir para pedir socorro. Horácio teria trancado o filho no quarto e esfaqueado a garota na sala. A conclusão deste crime, de acordo com juristas, poderia ser evitada.

“Este caso deixa claro o quanto a criação de novos tipos penais e foco no encarceramento não resolvem os problemas de violência sexual. Depende do enfrentamento mais com abordagem de assistência social do que de Justiça, que é a exceção da exceção”, argumenta Marina Ganzarolli, da Rede Feminista de Juristas.

Marina aponta dois erros que acarretaram na morte de Letícia Tanzi Lucas: falha da Justiça em não ressocializar Horário e não identificar tendência para ser reincidente neste tipo de crime, além de conscientização no sistema de educação para tratar de crimes sexuais.

“A falta de integração no sistema criminal penal com o de educação, saúde e assistência social, faz com que a Justiça fique limitada de informações. O que não está nos autos, não existe para o juiz. Se não tem nada sobre o comportamento dele anteriormente, de como ele se portava diante de outras mulheres, o juiz não tem muito o que fazer”, explica. “Não adianta só mudar o sistema de justiça, mudar lei, ter mais crime, enquanto não tiver a assistência social e de saúde junto”, completa.

A Ponte conversou com um integrante do MP (Ministério Público) para entender se a decisão do juiz em soltar Horácio Nazareno Lucas era a mais correta neste caso. Segundo esta fonte, a linha de raciocínio estava correta pelo que diz a lei.

“A lei prevê progressão de regimes, é um direito de todos, não fala se em caso de estupro não deve ter. Penso que se deve exigir critérios mais dificultosos dessa progressão em casos específicos para evitar o cometimento de outros crimes”, pontua o magistrado. “Teve questão do promotor, do juiz que soltou e a sociedade criticou. Se critica o juiz, mas ele decide de acordo com a aplicação correta da lei”, justifica.

A repercussão do caso fez com que o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) enviasse uma nota à imprensa explicando a decisão do juiz. O texto explica que o réu não tinha antecedentes, tinha residência fixa e ocupação, assim “não existindo indício a demonstrar a necessidade de aplicação da medida de prisão cautelar do investigado”.

“O réu respondeu em liberdade durante todo o trâmite processual, tendo sido, ao final, condenado, mas com possibilidade de recorrer sem ser preso […] Não havia informação, desde o ano de 2011, de descumprimento da
medida cautelar imposta, razão pela qual não foi determinada a prisão do réu (entendimento sedimentado nos tribunais superiores)”, sustenta a nota do TJ.

Marina Ganzarolli critica a Justiça por não avaliar a real situação do predador, como se refere aos agressores sexuais. “Em algum momento ele seria solto, agora ou depois. Em qual momento desse cárcere houve busca pela ressocialização do agressor? Em qual momento tratou da masculinidade desse predador? Em qual momento ele foi preparado para conviver novamente com sociedade? Houve análise psicológica ou médica? Não. E aí, não à toa, este crime acontece”, explica.

Segundo a especialista, apenas 10% dos casos de estupro são registrados, enquanto a esmagadora maioria “estão na esfera desta menina assassinada”. “Se o Estado não acha a proteção correta para essa menina pela assistência social, só saberá depois que o crime aconteceu. Poderia ter intervenção do Estado no momento correto, pois o local mais propício dela ser violentada é no lar: 70% dos estupros no Brasil são contra menores de 17 anos”, destaca.

Apesar do número baixo em comparação com os casos reais, o estado de São Paulo registrou um estupro a cada 47 minutos ao longo de 2017, segundo dados da SSP (Secretaria da Segurança Pública).

Arthur Stabile

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