Um professor de uma área indígena em uma região remota deu um celular para María (nome fictício), uma de suas alunas de 13 anos. E a ensinou a usá-lo. E então ele pediu para que ela lhe enviasse fotos em que estivesse nua.
(BBC News Mundo no México, 16/01/2020 – acesse no site de origem)
Isso aconteceu em Chiapas, no sudeste do México, onde ativistas denunciam ser cada vez mais comum a pornografia que usa mulheres e meninas indígenas como fetiche, o chamado “etnopornô”.
O caso de María ilustra como jovens de etnia indígena são exploradas na produção de material etnopornô.
Ela passou a ser extorquida por uma mulher de outro Estado do México, que cobrava mais imagens e vídeos, sempre em situações mais comprometedoras, por exemplo, se masturbando.
A família de María diz ter descoberto os abusos porque a adolescente foi forçada a convencer outra menina de 10 anos a começar a enviar arquivos desse tipo também.
A menina ficou tão assustada que confessou à mãe. Foi assim que o caso ficou conhecido na cidade.
Alguns tentaram linchar o professor, mas o pai da vítima preferiu seguir o caminho legal.
Martha Figueroa, a advogada que defende a família de maneira voluntária, diz que, como outros do mesmo tipo, esse caso pode estar relacionado ao tráfico de pessoas. E que é um grande desafio punir os culpados.
“A família não recebeu ajuda do Ministério Público no início. Depois, queriam registrar a ocorrência apenas como abuso sexual não grave. Além disso, como era um caso de abuso virtual e algo muito novo, eles não sabiam como levar as investigações adiante”, explica ela à BBC Mundo.
Ela diz ainda que há quem tenha argumentado que os envios foram atos voluntários, já que foi a própria adolescente quem enviou as fotos.
“Mas não, isso é um crime do professor. E é agravado porque ele está corrompendo menores e abusando de seu poder como professor”, diz ele.
Depois de vários meses, o homem foi preso. “Não se sabe se ele cumprirá uma sentença porque entrou com um recurso. Mas é uma conquista porque, pelo menos por enquanto, ele está atrás das grades e não dá mais aulas na escola”, explica o advogado.
O Código Penal do México define que “gravar ou revelar atos de exibição corporal, lascivos ou sexuais nos quais participem uma ou mais pessoas menores de 18 anos, será aplicada uma pena de 10 a 14 anos de prisão mais de 500 a 3 mil dias de multa.”
E estabelece o mesmo castigo para quem reproduzir, vender, alugar, expor, anunciar ou transmitir esse material.
‘Sem redes de apoio’
Adela Bonilla, diretora de Equidade de Gênero e Desenvolvimento da Mulher na Câmara Municipal de San Cristóbal de las Casas, em Chiapas, diz que vídeos pornográficos com mulheres indígenas “se tornaram moda”.
Ela explica que muitas jovens indígenas saem de suas comunidades para o município de Chiapaneco em busca de uma vida melhor, mas são muito vulneráveis, não possuem redes de apoio e algumas tendem a fazer trabalhos sexuais.
“As mulheres que se dedicam ao comércio sexual estão em total desamparo e, a partir daí, para serem vítimas, é apenas um pequeno passo”, diz ele.
Ela diz que muitas das que aparecem nos vídeos podem ser vítimas de redes de exploração, e que a prefeitura de Chiapaneco planeja criar de um abrigo para mulheres e crianças.
Além disso, junto com o Ministério do Turismo está sendo realizado um trabalho para conscientizar o setor hoteleiro sobre o crime de comércio sexual infantil.
Os hotéis estão assinando um código de ética para controlar e monitorar adultos que chegarem ao estabelecimento com menores de idade.
‘Pornografia chamulita’
Por enquanto é muito fácil encontrar, em pleno mercado central de San Cristóbal, material pornográfico com membros da comunidade indígena chamula.
O material é vendido próximo a barracas de roupas íntimas, alimentos ou galinhas vivas.
Nas bancas de filmes piratas, na parte mais escondida, há vídeos entre os quais se destacam os títulos de Pornô chamulitas.
Eles também alertam: “Este material pode incluir pessoas que você conhece. A discrição é recomendada”.
Mas o etnopornô também é distribuído na internet.
A Frente Nacional para a Sororidade, uma organização feminista que luta contra a violência sexual na internet, encontrou, durante um levantamento feito entre dezembro de 2018 e fevereiro de 2019 em Chiapas, mais de 800 vídeos de meninas e mulheres sem consentimento para torná-los públicos.
Eles também identificaram 122 “mercados de exploração de imagens”, ou plataformas que compilam, sem consentimento, informações sobre todo o tipo de conteúdo sexual, principalmente de mulheres e meninas, para serem exibidos em páginas, blogs, redes sociais ou armazenamento em nuvem.
Chiapas é um dos 17 Estados do México que aprovaram a “Lei Olimpia”, na qual crimes digitais de natureza sexual, como a distribuição de conteúdo íntimo sem consentimento, podem ser processados e punidos com penas entre 3 e 6 anos de prisão.
Indígenas, ‘as mais afetadas’
O fato de as vítimas serem mulheres indígenas é um agravante, explica a ativista Olimpia Coral Melo à BBC Mundo, que promove a lei que leva seu nome, e pela qual fez campanha após a divulgação não autorizada de um vídeo de sexo em que ela aparecia.
“O etnopornô é muito lamentável. As mulheres indígenas são as mais afetadas por esses crimes e é uma questão de desigualdade econômica, na cultura, no acesso à tecnologia.”
Ela ressalta que muitos indígenas não sabem que têm direito ao prazer, à intimidade e ao sexo. “Muitas nem sequer pensam em fazer uma denúncia porque, infelizmente, na sua maneira de pensar, existe a crença de que elas devem ser usadas, que são fábricas de bebês e de amamentar”, diz ela.
Além disso, muitas nem sequer têm acesso à internet e nem sequer sabem que circulam vídeos delas.
“Mesmo se ela fosse uma profissional do sexo que concordasse em ser gravada por um de seus clientes, isso não significa que ela deu permissão para que ele exibisse o corpo dela infinitamente”, diz o ativista.
Valeria Sastré, advogada especializada em direitos da mulher, diz que em Chiapas há cerca de 30 registros e investigações de crimes contra a intimidade sexual, mas que, até agora, nenhum foi encaminhado à Justiça.
Ao falar sobre os motivos, ela menciona o fato de que é uma questão muito nova e que é difícil conseguir que as provas contra esses crimes sejam aceitas.
“É necessário realizar campanhas multidisciplinares de conscientização, porque também encontramos uma visão patriarcal nas áreas indígenas, onde as mulheres não conhecem seus direitos”, acrescenta.
Por enquanto, é a Frente Nacional para a Sororidade que tomou para si a tarefa de relatar conteúdos impróprios e exigir que estes sejam removidos da internet.
“Não é uma solução permanente ou muito eficaz, mas é necessária que eles saibam que estamos vigiando.”
Por Ana Gabriela Rojas