Violência contra mulher e criança é universal, afirma diretora do filme ‘Manas’

16 de setembro, 2025 Folha de S. Paulo Por Eliane Trindade

  • Marianna Brennand relata como longa sensibilizou o mundo
  • Filme mostra exploração sexual de meninas na Amazônia

Com mais de 20 prêmios na bagagem, Marianna Brennand, de 45 anos, viu o longa “Manas”, que marca sua estreia na ficção, arrebatar plateias em diferentes latitudes desde o lançamento no Festival de Veneza, em agosto do ano passado.

“Ficção foi a única maneira possível de contar essas histórias com ética e respeito, protegendo as vítimas e sem trazer mais violência”, diz a cineasta, brasiliense “com alma pernambucana”, sobre a obra baseada em fatos reais que narra como uma garota de 13 anos vivencia e reage a uma situação de abuso intrafamiliar.

Ao traduzir com sensibilidade o drama da exploração sexual de meninas na Ilha do Marajó, no Pará, a brasileira ganhou o Director’s Award, em Veneza, e foi premiada também em Cannes.

“Um princípio fundamental do filme foi respeitar os corpos dessas crianças, sem estetizá-los nem espetacularizar a violência”, diz a diretora. Em todos os países por onde passou com o filme, de Cuba aos Estados Unidos e Europa, Marianna ouvia agradecimentos pela coragem de se debruçar sobre esse tema. “E me falavam: ‘Aqui também é assim. Não é só no Brasil que acontece isso’.”

“Manas” figura entre os 16 candidatos à indicação brasileira para a categoria de melhor filme internacional no próximo Oscar. O resultado de qual título tentará uma vaga para o país será anunciado nesta segunda-feira.

A cineasta concedeu a entrevista de Nova York, onde participa do lançamento de uma coleção de joias inspirada na obra do artista plástico Francisco Brennand, seu tio-avô e tema de um documentário homônimo dirigido por ela.

Como começa sua relação com a problemática da violência e abuso sexual na Ilha do Marajó?

Saí para almoçar com Fafá de Belém, amiga de muitos anos, em meados de 2013. Ela tinha voltado da região e entrado em contato com essa realidade de exploração sexual no Marajó. Estava muito mexida. Foi uma conversa de mana, de mulher para mulher, e fiquei atravessada, muito abalada. Foi um encontro que mudou minha vida para sempre. Meu ímpeto foi: preciso fazer um documentário de denúncia para lançar luz sobre esse tema, contar o que estava acontecendo e tentar transformar essa realidade de alguma maneira.

Por que abandonou a ideia e partiu para ficção?

Bateu uma questão ética que era como contar essa história violenta sem trazer mais violência. Eu não poderia colocar mulheres e crianças na frente das câmeras e pedir para elas recontarem uma situação traumática de abuso intrafamiliar e violência sexual que tinham vivido. A ficção foi a única maneira possível de contar essas histórias com ética e respeito, protegendo as vítimas e sem trazer mais violência.

Qual o papel do filme diante de uma realidade tão complexa?

É de acreditar no cinema como uma ferramenta poderosa de empatia e transformação social e política. Uma transformação que vem quando a gente consegue se colocar no lugar do outro. O desafio foi pôr o espectador no coração dessa menina ao vivenciar aquela violência. Meu desejo era gerar consciência.

A força do filme estaria em trazer uma delicadeza feminina, ao não explicitar a violência nem sexo?

Um princípio fundamental do filme foi respeitar os corpos dessas crianças, sem estetizá-los nem espetacularizar a violência. Foi uma oportunidade como mulher contar uma história sobre mulheres, sobre uma violência que acontece todos os dias. De um ponto de vista feminino. Essas violências não devem acontecer. Como vou filmá-las?

Como foi sua primeira experiência no Marajó? Teve contato direto com casos como o da protagonista do filme, abusada pelo próprio pai?

Foram muitas idas ao Marajó. Era importante a veracidade, o respeito pela verdade. Não cabia nenhum tipo de superficialidade, de clichê. Fomos muito dedicadas e diligentes em pesquisar, checar fatos e conversar com agentes de saúde, conselheiro tutelar, psicólogo, delegado, assistente social, promotor.

Fafá de Belém pôs a gente em contato com a irmã Marie Henriqueta [Cavalcante], figura fundamental na luta pela vida dessas crianças e mulheres na região amazônica, e ela abriu muitas portas, nos apresentou o delegado Rodrigo Amorim, que atuava no Marajó. Eles foram fundamentais para nos guiar.

Acesse a entrevista no site de origem.

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