Mais de 50% dos casos de microcefalia no Brasil ainda esperam diagnóstico

28 de abril, 2016

(Dimalice Nunes*/Agência Patrícia Galvão, 28/04/2016São 3.741 notificações de bebês com crânio reduzido sem resposta do Estado

Em agosto do ano passado, bebês com crânio de tamanho reduzido começaram a nascer em Pernambuco. Até então não se tinha nenhuma explicação para o aumento repentino, e preocupante, dos casos de microcefalia. Hoje, oito meses depois dos primeiros casos e seis meses após o início das notificações oficiais, já se tem capacidade de diagnosticar a síndrome congênita do zika vírus – uma má formação que pode ir muito além da microcefalia e incluir outras alterações no sistema nervoso central, cegueira, surdez e rigidez nas articulações, entre outras. E, no entanto, 52,3% das mães que deram à luz a bebês com tamanho menor do crânio e/ou ou outras alterações do sistema nervoso central ainda esperam respostas. São 3.741 casos em investigação em todo o País.

Os dados mostram que, se de um lado o tempo voa para a ciência, que busca soluções para um quadro até então inédito globalmente, de outro, o tempo passa arrastado para essas mães que embalam seus bebês sem saber que futuro esperar para si mesmas e para seus filhos. Essas mulheres vivem a angústia de muitas incertezas. Em Pernambuco – onde os primeiros casos surgiram e que desponta como campeão em notificações de bebês com microcefalia, com total de 1.871 neste momento da epidemia -, a proporção de casos ainda sem respostas é de 40,6%, segundo dados do Ministério da Saúde, com atualização até 16 de abril. Na Paraíba, onde há 862 casos notificados de bebês com microcefalia,  e 45,1%, seguem em investigação. Na Bahia, estado com o segundo maior número de notificações do País, havia 1.040 notificações de bebês nascidos com microcefalia, com 647 (62,2%) sob investigação. Estes são os três estados com maior numero de notificações do país. Os agentes públicos não sabem precisar qual é o tempo médio que uma mãe espera entre ter um bebê com problemas de desenvolvimento do cérebro e a confirmação, ou não, de que se trata de um caso de síndrome congênita associada ao zika. O que se sabe é que, quanto mais longe de uma capital, quando mais precária for a situação social daquela mulher, mais dificuldades ela terá para conseguir respostas, exames e assistência para si mesma e para seu bebê.

Por que tantos casos sem resposta?

Segundo o diretor geral de Controle de Doenças e Agravos da Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco, George Dimech, o alto índice de casos sob investigação se deve, principalmente, a dois fatores: o primeiro é a lentidão no processo de comunicação entre os entes federativos – mesmo em tempos de internet. “Muitas vezes são casos que foram descartados, a mãe já tem o resultado, mas esse dado ainda não entrou para a estatística”, afirma Dimech.

O diretor geral explica que há também casos de bebês que ainda não foram examinados, que não foram encaminhados para um centro de referência para fazer a confirmação e por isso entram para as estatísticas como “em investigação”. Ou seja, o Boletim Epidemiológico usa o termo “em investigação” inclusive para os casos em que não há qualquer procedimento em andamento. Não há respostas sobre qual é a proporção dos casos classificados como “em investigação” que se enquadram em cada situação.

A gerente executiva de vigilância em saúde da Secretaria de Estado da Saúde da Paraíba, Renata Nóbrega, informou que o Estado espera a liberação de recursos para que novas buscas e exames de casos notificados e sob investigação aconteçam. Mas a gerente executiva reconhece as limitações pela falta de infraestrutura nos locais onde há grande volume de notificações: “é um trabalho nos municípios e tem toda a questão de onde serão realizados os exames”, justifica.

Ainda corrobora para a grande quantidade de casos “em investigação” a lacuna na formação dos profissionais da saúde para a infecção zika – o que pode gerar barreiras tanto para a realização da notificação correta, quanto para a agilidade na confirmação ou não da síndrome. Tania Di Giacomo do Lago, médica sanitarista e professora do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, aponta a grande procura pelo curso virtual que a Fiocruz Rio de Janeiro está desenvolvendo sobre zika que já tem 50 mil inscritos,- como um sintoma dessa falta de informação entre os profissionais da saúde. “Denota a necessidade dos profissionais e a importância de que ações como essa ocorram”, frisa Tania Lago.

Ações para responder às mulheres

O Ministério da Saúde, responsável por capitanear as ações de combate ao mosquito transmissor do zika e enfrentamento da epidemia, não concedeu entrevista solicitada pelo Instituto Patrícia Galvão para responder por que o número de casos ainda sob investigação é tão grande até o fechamento desta matéria.

Em nota, porém, a pasta informou que em março foi anunciada uma ação para acelerar a identificação e o diagnóstico das crianças com suspeita de microcefalia, além de garantir o encaminhamento das famílias para obtenção de benefícios assistenciais.

De acordo com a assessoria do Ministério da Saúde, serão repassados aos Estados R$ 2,2 mil por caso suspeito notificado, para busca ativa das crianças, transporte, hospedagem e diagnóstico por imagem. A previsão é que o investimento total seja de R$ 10,9 milhões. A medida do Ministério da Saúde de busca ativa dos casos notificados promete envolver todos os Estados onde há casos notificados. As ações dessa força-tarefa devem ocorrer até o dia 31 de maio.

Em comunicação oficial, o Ministério da Saúde também informou que está equipando 737 maternidades para a realização do exame PEATE (Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico). Para diagnósticos mais assertivos e menor espera na investigação dos casos, o governo federal afirmou também que está ampliando a cobertura de tomografias e apoiando a criação de centrais regionais de agendamento dos exames, sem precisar os dados da ampliação.

A Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco já  promoveu mutirões para buscar ativamente os casos até então sem resposta. No dia 1 de abril, cerca de cem bebês notificados com suspeita de microcefalia foram atendidos na Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), na capital Recife, numa força-tarefa que envolveu 50 profissionais entre neuropediatras, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, fonoaudiólogos e fisioterapeutas. Os municípios são os responsáveis por agendar o atendimento e fazer o transporte de mães e bebês até o local do exame. No final deste primeiro dia foram 116 atendimentos, com 94 casos descartados e 12 confirmados. Dez continuam em investigação. Ações semelhantes estão programadas para os municípios de Caruaru e Petrolina.

A gerente executiva de vigilância em saúde da Secretaria de Estado da Saúde da Paraíba, Renata Nóbrega, informa que também foram realizados mutirões de busca ativa em novembro e dezembro no estado. Novas ações de mesmo caráter dependem da liberação de recursos.

Ana van der Linden, chefe do serviço de Neurologia Infantil do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP) – uma das principais responsáveis, juntamente com sua filha, por disparar o alerta sobre um surto de nascimento de bebês microcefálicos e abrir a investigação entre uma infecção congênita e os nascimentos -, avalia que o número elevado de notificações de bebês possivelmente com a síndrome do zika congênita é passageiro.

A neuropediatra, indicada para realizar as forças-tarefa no estado de Pernambuco para analisar os casos em investigação, explica que agora, com mais certezas sobre com o que se está lidando, será mais fácil não deixar que esses casos se acumulem. De acordo com a Ana van der Linden, os casos ainda sob suspeita em Pernambuco devem ser zerados até o final de maio.

O trabalho, porém, precisa ser contínuo, admite o diretor geral da SES-PE, George Dimech.

A resposta do Estado para organizar

Justamente na tentativa de orientar os profissionais que, daqui para frente, precisam dar apoio à população em um país de dimensão continental, o Ministério da Saúde desenvolveu e anunciou em dezembro de 2015 o primeiro Protocolo de Atenção à Saúde e Resposta à Ocorrência de Microcefalia Relacionada à Infecção pelo Vírus Zika, que já está em sua terceira versão.

O documento orienta os profissionais da saúde nas ações de prevenção da infecção pelo vírus zika em mulheres em idade fértil e gestantes, para a atenção no pré-natal, parto e nascimento, e também para a assistência aos nascidos com microcefalia em todo o território nacional.

A notificação, por exemplo, deve sempre ser feita após o parto, com a medição do perímetro cefálico. De setembro de 2015 a março deste ano, eram notificadas para microcefalia todas as crianças nascidas após 37 semanas de gestação que apresentassem menos de 33 centímetros de circunferência do crânio. Mas, desde março, o Brasil adotou os parâmetros da Organização Mundial da Saúde: meninos com medida igual ou inferior a 31,9 centímetros e meninas com igual ou inferior a 31,5 centímetros.

Após a notificação, o caso passa automaticamente a constar como “em investigação” nas estatísticas. A partir daí, o protocolo estabelece que o bebê deve ser encaminhado para exames mais detalhados, que incluem tomografia, consulta clínica com neuropediatra e exames de sangue. Após confirmado o diagnóstico da síndrome congênita associada ao zika, os bebês devem passar por exames para detectar o nível de comprometimento neurológico.

Protocolos, notificações e a realidade

Claro que nem sempre o protocolo ou a infraestrutura de saúde disponível é condizente com a realidade das mulheres. Muitas vezes, as grávidas que já contraíram a infecção por zika vírus e as mães e pais de bebês com suspeita de síndrome congênita do zika são moradoras de municípios sem qualquer infraestrutura da rede pública de saúde.

Na avaliação de Sonia Corrêa, co-coordenadora do Observatório de Sexualidade e Política, apesar dos esforços do governo Federal em divulgar em seus meios oficiais uma série de medidas para garantir suporte à população em meio à emergência de saúde pública, a estrutura do próprio Sistema Único de Saúde (SUS), especialmente do ponto de vista da assistência, das demandas das pessoas, especialmente das mais pobres, é muito irregular.  “É uma tragédia nas grandes cidades”, afirma.

*Edição e arte: Marina Pita

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