Após uma suposta traição de Blac Chyna, sua ex-mulher, Rob Kardashian (irmão de Kim e Kylie Jenner) resolveu se vingar e divulgou fotos dela nua e foi banido pelo Instagram. No Brasil, o famoso “revenge porn” (pornografia de vingança, em português) está enquadrado na categoria de crime contra honra. A prática de expor as ex-parceiras com o intuito de destruir a imagem dessas mulheres demonstra o machismo enraizado na sociedade. Então, como é possível se defender desse abuso que vem de alguém em que você confiava e causa danos físicos, emocionais e até patrimoniais?
(UOL, 07/07/2017 – acesse no site de origem)
“A liberdade sexual da mulher precisa ser preservada. Eu jamais falaria não envie um nude, mas é preciso ter precaução e procurar a Justiça rapidamente caso o crime ocorra”, afirma Gabriela Manssur, promotora de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo.
Uma coisa é fato: os relacionamentos atuais tendem a se desenrolar vigorosamente também no ambiente virtual, com trocas constantes de mensagens. Diante desta realidade, enviar e receber fotos é uma maneira de estar presente na vida do outro ou apimentar a vida sexual do casal.
“Mandar nudes não deixa de ser uma forma de sedução, autoestima e empoderamento feminino. A vítima jamais imagina que a pessoa escolhida para um relacionamento afetivo, sexual, vai usar isso contra ela em caso de rompimento, de uma traição ou em uma situação de controle, brigas. Todo mundo se relaciona sexualmente e vê o outro nu”, defende Gabriela, que costuma lidar com cinco casos de “revenge porn” por mês, em média.
As denúncias ainda são poucas, porque muitas vítimas têm medo e desconhecem a lei – que ocorre no âmbito privado (a vítima escolhe se quer ou não seguir com o processo e também é necessário pagar um advogado) e não no Ministério Público. Tido como um crime de difamação a pena é de seis meses a dois anos de detenção, mais uma multa. No entanto, os valores ainda são irrisórios, giram em torno de R$ 5 mil.
Já ocorreu casos em que a promotora conseguiu penalizações entre R$ 40 e 20 mil, mas as ‘multas’ variam de acordo com o perfil de cada caso no Brasil.
“Não existe o agressor pobre ou rico, existe homem machista. E acredito que os homens podem começar a mudar esse pensamento a partir do momento que saem da bolha, percebem que as mulheres trabalham, gostam de ter liberdade e passam a ter contato com as humilhações que as mulheres vivenciam. Não acredito na cura do machismo, mas na desconstrução do comportamento machista”, afirma a promotora.
E por que a vítima continua sendo culpada?
Segundo a promotora, o setor de vítimas de “revenge porn” é majoritariamente formado por mulheres e é comum elas terem que provar que não são culpadas pelo crime, que não agiram de maneira equivocada. O contrário, com os acusados, grupo formado por homens, não ocorre.
“Muitas vezes ouço na audiência questionamentos do tipo ‘por que você mandou essa foto, esse vídeo? ’, ‘isso é coisa de vagabunda’. A mulher procurou a Justiça, rompeu o silêncio, enfrentou a vergonha, ela não pode ter a moral e a honra dela julgada por ninguém. Os fatos, sim, precisam ser julgados. Enviar fotos não é um crime, crime é divulgar. Se a pessoa teve vontade de enviar um nude ou permitiu que a relação sexual dela fosse filmada, isso não é crime. Crime é compartilhar sem o consenso da outra pessoa. É inadmissível que o comportamento da vítima seja julgado”, afirma Gabriela.
“Mandar nudes não deixa de ser uma forma de sedução, autoestima e empoderamento feminino.”
Como funciona a denúncia?
Além do Boletim de Ocorrência, é preciso entrar com uma queixa-crime por meio de um advogado particular, o que torna o processo caro. Sem esse documento, a Defensoria Pública não consegue atender a demanda e a mulher fica sem proteção e sem resposta do Estado.
De acordo com Gabriela Manssur, a lei ainda se equivoca ao alocar a pornografia de vingança no mesmo patamar do crime contra honra. “É um aspecto muito vago. O que é moral para mim pode ser imoral para você e vice-versa. Isso complica na hora de fazermos justiça. Se você xinga alguém ou se você publica a foto de uma mulher transando, ambos são julgados da mesma forma. Os dois são crimes, mas não há resposta proporcional”.
Por isso, uma “Nota Técnica” da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP) foi encaminhada ao Senado como complemento do projeto 5555/13 – já que na visão da promotora “essa PL não atende os anseios da sociedade”. O objetivo é que o processo contra o vazamento de fotos seja de responsabilidade do Estado e não do setor privado, além também da exigência de penas mais severas e indenização por danos morais e patrimoniais.
“Queremos que a pornografia de revanche seja enquadrada como um crime contra a liberdade e a dignidade sexual da mulher e não inserido em um capítulo de crime contra honra”, completa a promotora.
“Não acredito na cura do machismo, mas na desconstrução do comportamento machista.”
Muitos países já contemplam a pornografia não consentida no seu rol de tipos penais. Nas Filipinas, a punição varia de três a sete anos de prisão; no Japão são três anos de reclusão e multa de até 500 mil ienes; no Canadá, até cinco anos de prisão; no Reino Unido, a prisão é de até dois anos e, nos Estados Unidos, cerca de 26 estados possuem leis que criminalizam a prática. Vale lembrar ainda que esse tipo de crime é diferente da Lei Carolina Dieckmann – que trata da violação de imagens por meios ilícitos, geralmente executada por hackers ou alguém sem autorização.
“Denunciar é sempre o melhor caminho. Assim que recebemos a denúncia, emitimos uma medida para que o servidor tire imediatamente a publicação do ar. E isso tem que ser cumprido em no máximo 24 horas. Até por telefone cumprimos uma ordem judicial. Ainda que não dê tempo de evitar que a imagem viralize na rede, tentamos minimizar os danos”, conclui Gabriela.