(Luciana Araújo / Agência Patrícia Galvão, 03/12/2014) Jovens percebem o machismo arraigado na sociedade, mas reproduzem ações e valores que reiteram as desigualdades de gênero e a violência doméstica contra a mulher.
Pesquisa realizada pelo Instituto Avon em parceria com o Data Popular mostra altos índices de naturalização da violência nos relacionamentos e uso do espaço virtual como ferramenta de controle entre os jovens. Para os entrevistados, a violência é mais associada a agressões físicas. Embora apenas 8% das mulheres admitam espontaneamente já terem sofrido violência do parceiro e só 4% dos rapazes reconheçam que já tiveram atitudes violentas contra parceiras, diante de exemplos de atos agressivos 55% dos homens declararam ter realizado tais práticas e 66% das mulheres afirmaram ter sido alvo de alguma das ações citadas no questionário por parte do parceiro. “Eles têm as respostas consideradas politicamente corretas na ponta da língua, mas a percepção do machismo não impede a reprodução de tais práticas”, destaca a diretora de pesquisas do Instituto Data Popular, Maíra Saruê, responsável pelo estudo, cuja íntegra pode ser acessada aqui.
Um terço das mulheres já foi xingada ou impedida de usar determinada roupa, 40% declaram que o parceiro tentou controla-las por meio de ligações telefônicas para saber onde e com quem estavam, e 53% das jovens já tiveram mensagens
ou ligações no celular vasculhadas. Uma em cada três jovens também já foi proibida de conversar virtualmente com amigos, sofreu invasão da conta de alguma das redes sociais utilizadas e até mesmo amizades virtuais foram excluídas pelo parceiro.
Entre as mulheres, 51% também declaram compartilhar a senha do celular, 46% fazem o mesmo com a chave de acesso às contas de Facebook e 34% já repassaram os caracteres de identificação de seus e-mails pessoais em um relacionamento.
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37% das jovens que responderam à pesquisa também afirmam ter tido relação sexual sem preservativo por insistência do parceiro, o que ajuda a explicar o crescimento da contaminação pelo HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis entre jovens.
O fim da relação também é um momento crítico para as mulheres jovens. 51% já sofreram ameaças, foram seguidas pelo ex, ou este ficou enviando mensagens ou ainda espalhando boatos sobre a mulher. Quase metade das entrevistas declararam que tiveram que tomar alguma atitude para cortar contato com o ex, incluindo deixar de frequentar lugares onde iam regularmente, mudar o número do celular, parar de usar redes sociais e até mesmo mudar de telefone residencial ou endereço ou local de trabalho. Apenas 2% declaram ter registrado boletim de ocorrência.
A web como espaço para relacionamento, sexo e pornografia de vingança
A internet é vista pelos jovens como um espaço privilegiado para o desenvolvimento de relacionamentos, inclusive experiências sexuais. Mais de 40% dos entrevistados já se relacionaram afetivamente com alguém que conheceu via web, e muitos já praticaram sexo virtual. Mas além de ser um espaço de aproximação, o ambiente virtual pode facilmente se converter em ferramenta para chantagens, ameaça ou invasão da privacidade com intenção de humilhar a vítima, especialmente contra as mulheres jovens. Os dados do levantamento evidenciam o quanto essa prática tem se disseminado entre jovens. 28% dos homens ouvidos no estudo afirmam ter repassado imagens de mulheres nuas aparentemente produzidas sem autorização que receberam pelo celular, sejam elas fotos ou vídeos.
Integridade das mulheres segue ameaçada no espaço público
Passados mais de um século da luta pela emancipação das mulheres, o direito das mulheres ao espaço público continua sendo fortemente violado. 78% das entrevistadas já sofreram algum tipo de assédio nas ruas das cidades, em festas ou no transporte coletivo. Em 68% dos casos, as jovens declararam já ter recebido uma cantada que consideraram ofensiva, violenta ou desrespeitosa e 44% foram assediadas ou tiveram o corpo tocado em uma festa ou balada. Por seu lado, 24% dos homens admitem já terem feito cantadas que podem ser consideradas ofensivas, assediado mulheres em festas ou no transporte público, terem se aproveitado do fato de uma mulher estar alcoolizada para abordá-la ou tentar fazer fotos ou vídeos sem autorização.
Reprodução do ciclo da violência
Conforme já verificado em diversos estudos, a violência doméstica tem como um de seus efeitos a perpetuação de uma cultura de agressividade. De acordo com a pesquisa, 43% dos jovens presenciaram a mãe ser agredida por um parceiro masculino. E entre os que admitem ter praticado alguma forma de violência contra parceiras, 64% estavam no grupo de quem assistiu cenas violência doméstica em casa. Já entre os que nunca presenciaram tais práticas, 47% admitem ter praticado ações agressivas.
Uma juventude com valores conservadores
Embora 96% dos jovens aprovem a Lei Maria da Penha e percebam a existência do machismo no país, muitos parecem não se dar conta que reproduzem práticas sexistas e conservadoras. 68% consideram incorreto que uma mulher tenha relações sexuais no primeiro encontro e 48% avaliam que é errado a mulher sair com amigos, não importando o sexo, sem o namorado, marido ou ficante sério. Para 51% dos entrevistados a mulher deve ter a primeira relação sexual com um namorado sério e 38% avaliam que se a mulher tem relações sexuais com muitos homens não serve para namorar. Em relação ao vestuário feminino os dados se aproximam do que foi verificado na pesquisa divulgada pelo IPEA no ano passado: 1 em cada 4 jovens que participaram da pesquisa concordam que mulheres que usam decote e saia curta estão se oferecendo aos homens.
Todas as ações citadas na pesquisa são passíveis de enquadramento na Lei 11.340/2006. Para a secretária de enfrentamento à violência contra a mulher da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Aparecida Gonçalves, os dados “são muito importantes porque dão visibilidade a uma violência que acontece nas redes sociais por meio virtual. E se a violência doméstica contra a mulher, pelo fato de ocorrer na maioria das vezes entre quatro paredes, já é muito invisibilizada, essas práticas no meio virtual são ainda mais. A pesquisa também traz um novo elemento para a discussão, principalmente nos serviços especializados, sobre a importância de como proceder à investigação desses crimes, para que efetivamente sejam enquadrados na Lei Maria da Penha. Precisamos qualificar a discussão sobre os crimes na internet na formulação das políticas públicas, nas delegacias, no Ministério Público, no Judiciário e em todos os órgãos que discutem e atuam contra a violência doméstica, para garantir a investigação e a punição”.
A pesquisa
O levantamento foi realizado pelo Instituto Data Popular em parceria com o Instituto Avon por meio de plataforma online de autopreenchimento, entre os dias 8 e 13 de novembro. 2046 jovens de 16 a 24 anos responderam ao questionário. A amostra é nacional, contemplando as cinco regiões do país, e a margem de erro é de dois pontos percentuais.
Os dados foram apresentados na manhã desta quarta-feira (3) durante o Fórum Fale sem Medo, promovido com a participação de especialistas, pesquisadoras, operadores do Direito, ativistas que atuam em defesa dos direitos das mulheres e representantes empresariais. A atividade fez parte das ações da empresa nos 16 dias de ativismo pelo fim da violência contra a mulher.