(Estadão de S. Paulo | 08/11/2021 / Por Tereza Ribeiro e Santamaria N. Silveira*)
Quando as primeiras mulheres operárias pisaram em uma indústria têxtil inglesa, no século XVIII, que precisava de mão de obra de baixo custo, colocaram em movimento uma série de práticas abusivas de gênero, que passaram a ser perpetradas dentro da maioria das empresas por séculos, seja porque os homens historicamente sempre dominaram a dinâmica de poder no local de trabalho, seja porque as mulheres historicamente tiveram uma posição de subordinação e de convivência com a violência, seja porque a pressão sobre as vítimas era massacrante – elas tinham vergonha de relatar o abuso, medo de ser descreditadas, medo de retaliação, medo de perder o emprego .
No Brasil, muito antes da revolução industrial, as mulheres negras escravizadas, tiveram de enfrentar a violência e desumanização no ambiente de trabalho, seja nas casas dos senhores (onde os jovens e homens brancos estavam sempre rodeados pela “lascívia” das negras, como evidencia a erotização do corpo da mulher negra em “Casa Grande e Senzala” (FREYRE, 1963, p.331) ou nos campos de plantações. Posteriormente, continuaram a enfrentar essa agressão sexual em diferentes ocupações. Mesmo em países com fortes estratégias de combate ao racismo, como os Estados Unidos, onde o Movimento dos Direitos Civis visou à proteção de corpos e vidas das mulheres negras – ela seguem sendo vulneráveis. Calcula-se que o assédio sexual das mulheres negras no trabalho é três superior ao das brancas nos Estados Unidos. ¹
A cultura do silêncio, principalmente diante do assédio sexual contra mulheres de todas as etnias, perdurou inabalável nos ambientes de trabalho de todo o mundo por séculos. Foram necessários mais de 200 anos, desde o início da Revolução Industrial, para o conceito jurídico de assédio sexual começar a ser aceito pelos Tribunais. Cunhado pela jurista e feminista norte-americana, Catharine MacKinnon, o argumento se baseava no fato de que assédio no local de trabalho constitui discriminação sexual, o que é ilegal nos Estados Unidos, como estabelece a Lei dos Direitos Civis. Aos poucos, o argumento foi sendo aceito por juízes de primeira instância e uma década depois, em 1986, foi acatado pela Suprema Corte dos Estados Unidos. Era o início de uma importante mudança para consolidar direitos.
Nas últimas décadas, as queixas de assédio sexual nas empresas deixaram de ser “normalizadas”, porque seu enfrentamento se tornou uma política de empresa, sendo uma prática considerada inaceitável. O assédio veio arrefecendo com a publicização e repúdio da opinião pública e os programas de conformidade. Calcula-se que em 1997, 75% das empresas americanas desenvolveram programas de treinamento obrigatório sobre assédio sexual. Isso minorou, mas não equacionou o problema, tanto que pesquisa da Universidade Harvard com 800 empresas, responsáveis por 8 milhões de trabalhadores, abrangendo de 1970 a 2000, analisou a eficiência dos treinamentos corporativos contra o assédio sexual. ² O estudo apurou que não surtem o resultado esperado porque os profissionais ficam na defensiva, não mudam o comportamento abusivo e passam a culpar as vítimas. Um experimento que vem tendo bons resultados nas corporações, segundo a pesquisa, é de espectadores treinados que entram em ação assim que surge um comportamento inadequado. Exemplo simples: um motorista bêbado se levanta da mesa e quer ir para casa de carro, você toma a chave e chama um táxi.
*Tereza Ribeiro é advogada, sócia da Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA), pós-graduada em Processo e Direito Civil pela Escola Paulista de Direito e MBA em Gestão de Empresas pela FGV
*Santamaria N. Silveira é jornalista, doutora em Comunicação Social pela ECA-USP, head de conteúdo e presidente do Subcomitê Afro da LBCA e integrante do projeto #olhosnegrossobreajustiça