(O Estado de S. Paulo) Partindo da condenação de Lindemberg Alves a mais de 98 anos de prisão, o jurista Luiz Flávio Gomes lembra outros casos de violência contra a mulher que evidenciam a cultura machista que continua a perpetuar o “direito” dos homens sobre as mulheres. Leia na íntegra:
Eloá Pimentel, Daniela Peres, Mércia Nakashima, Eliza Samúdio. Dos 51.434 homicídios registrados em 2009 pelo Datasus, 8,3% – ou 4.260 – atingiram mulheres. A cada dia, 11 são mortas – cerca de 70% pelo marido ou ex-marido, noivo ou ex-noivo, namorado ou ex-namorado (é aqui que reside a violência machista ou de gênero, que é universal).
Nossa “fábrica” de violência continua impressionante, inclusive mundialmente (é a 20.ª no ranking mundial). Entre 1997 e 2007, 41.532 mulheres foram mortas: 10 por dia, segundo o estudo Mapa da Violência no Brasil 2010, do Instituto Sangari. A cada duas horas e meia, uma mulher é morta no País!
Mais da metade dos municípios brasileiros (quase 52% do total) não registrou nenhum assassinato de mulher nos últimos cinco anos. Mas em qualquer momento esse cenário muda. A questão é só de tempo e oportunidade. Por quê? Porque “quanto mais machista a cultura local, maior tende a ser a violência contra a mulher” (Paula Prates, psicóloga).
Esse quadro de violência machista poderia ser pior, tendo em vista que a cada 20 segundos uma mulher é agredida no Brasil. Um terço delas já foi fisicamente agredida. Em uma pesquisa de 2006 do Instituto Patrícia Galvão, perguntou-se se o homem pode agredir “sua” mulher? 16% responderam afirmativamente, ou seja, 16% creem no “direito” de “correção” do marido. A mulher deve suportar essa violência? 11% disseram sim. Ruim com ele, pior sem ele (20%).
Os números mostram o quanto essa “seção” de nossa holding de violência doméstica ainda pode progredir. Amartya Sen, catedrático de Filosofia e Economia na Universidade de Harvard e Prêmio Nobel de Economia em 1998, afirma em seu livro La Idea de La Justicia afirma que, se não podemos conseguir uma justiça perfeita, pelo menos deveríamos lutar contra algumas das injustiças mais gritantes, destacando-se a violência de gênero.
A praga da violência está presente no mundo todo. A ponto de a gravidade dessa questão ter estimulado a criação da ONU-Mulheres (Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres). Desde janeiro de 2003, 599 mulheres foram assassinadas na Espanha. No Brasil, na década de 2000 a 2009, cerca de 30 mil mulheres foram vítimas de homicídio em razão do gênero.
Tudo se passa como se fosse um direito “nato” dos homens massacrar as mulheres (como Lindemberg Alves fez com Eloá em 2008), que continuam muitas vezes em posição de desigualdade e submissão. Não podemos nunca deixar de denunciar diariamente a barbaridade da violência, que está impregnada na cultura de todos os povos (em maior ou menor medida). Essa é uma área em que a “civilização dos costumes” (Norbert Elias) ainda não chegou – ou ainda não chegou na dosagem certa.
LUIZ FLÁVIO GOMES É JURISTA, PROFESSOR DE DIREITO
Acesse em pdf: ‘Se não é minha, não é de ninguém’, por Luiz Flávio Gomes (O Estado de S. Paulo – 19/02/2012)
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