A advogada Mayra Cotta e a consultora de moda Thais Farage analisam, na obra ‘Mulher, roupa, trabalho’, como se deu historicamente a construção do vestuário feminino nas corporações
(O Globo | 30/11/2021 / Por Redação)
O que está por trás da roupa que todo dia uma mulher escolhe para sair de casa e ir trabalhar? Mais que uma questão de gosto, a advogada especializada em gênero Mayra Cotta e a consultora de moda Thais Farage mostram, em seu livro “Mulher, roupa, trabalho: como se veste a desigualdade de gênero”” (Ed. Paralela), lançado no fim de outubro, que a motivação pode se esconder atrás de inseguranças com o julgamento e o preconceito. O entendimento sobre um decote ou saia mais curta vai além do quesito “informalidade”: traz junto mensagens de vulgaridade e diosponibilidade para o assédio ou importunação sexual, na rua ou no ambiente de trabalho.
– A sensação de inadequação da mulher ao espaço de trabalho é permanente, e não tem a ver com a roupa e sim com um mundo que não foi feito para ser ocupado por mulheres, mas que ocupamos por insistência e teimosia. Assim, por exemplo, o terno – a roupa “legítima” do trabalho – é adaptado para as vestes femininas, estão ali elementos seus, no corte que não marca o corpo, nas cores sóbrias… É preciso mimetizar o masculino para passar uma ideia de seriedade e competência – diz Mayra Cotta.
Na obra, as autoras voltam ao início da Modernidade e percorrem os dois últimos séculos para traçar paralelos entre episódios culturais e políticos e a imposição de regras do vestuário feminino no mercado de trabalho. Historicamente, Mayra observa como a mulher passou a existir primeiramente “como um corpo”, para ser julgado e comentado, e por que tal preocupação jamais ocorreria para um homem branco. Assim, quanto mais se aproxima do que é entendido como feminino, seja uma roupa mais marcada ou justa, mais a mulher vai sendo entendida “como um corpo”, e esta objetificação traz junto a desculpa para o exercício de discriminação e violências, como a sexual.