(Jornal do Campus – USP | 18/01/2022 | Por Isabella Marin)
Chaves entre os dedos, passos rápidos e ansiosos, olhos sempre atentos ao seu redor. Essa poderia ser apenas uma descrição fictícia de uma cena de filme, mas é o dia a dia de muitas num lugar onde a violência contra mulheres é corriqueira. O assédio e violência de gênero é algo presente na vida das mulheres brasileiras, e essa realidade não fica restrita para fora dos muros da Universidade de São Paulo (USP).
Para a escrita desta reportagem, o Jornal do Campus entrou em contato com o portal da Transparência da USP a fim de coletar informações a respeito dos casos de assédio na Universidade.
De acordo com informações recebidas via Lei de Acesso à Informação (LAI), as ocorrências de assédio são mais recorrentes com alunos(as) e com funcionários(as), respectivamente. Os dados compreendem as manifestações registradas na Ouvidoria Geral da USP entre o período de 01/01/2012 a 30/06/2021. Válido ressaltar que a Ouvidoria é um dos diversos órgãos da universidade que recebe denúncias.
As respostas da Ouvidoria Geral via LAI divide o crime de assédio em quatro temas, podendo acontecer nas formas verbais, escritas, gestuais e/ou de contato físico, além de ações realizadas de forma presencial e/ou por meio de tecnologias digitais, de modo repetitivo e deliberado. São elas:
- Assédio moral, que enquadra perseguição, sobrecarga, humilhação, ridicularização, ameaças;
- Assédio sexual, que visa o favorecimento, vantagem, e/ou chantagem de caráter sexual;
- Importunação sexual, relacionado a um comportamento invasivo e/ou inadequado com conotação sexual, além de estupro;
- Violência psicológica/moral, com ações de agressão, perseguição, intimidação, ridicularização, ameaças, situações pontuais e/ou sistemáticas de bullying e/ou cyberbullying.
Ainda segundo o levantamento, o vínculo do agente perpetrador com a universidade — ou seja, aquele que realiza o crime — é, em sua maioria, professores seguidos de alunos. Há ainda registros de queixas contra público externo e anônimos.
As respostas para os pedidos de LAI e a sistematização dos dados podem ser encontrados neste link.
Como denunciar
O Escritório USP Mulheres tem como objetivo propor e implementar iniciativas e projetos voltados à igualdade de gênero e ao enfrentamento de situações de discriminação e violência de gênero contra mulheres na Universidade.
Segundo respostas do Escritório obtidas para essa reportagem, o primeiro passo assim que qualquer pessoa tome conhecimento de uma situação de assédio ou outra forma de violência, é reconhecer e acreditar no relato/pedido de ajuda da mulher. A revelação das agressões sofridas já é uma barreira muito difícil de ser transposta, por isso oferecer apoio para a vítima é fundamental. Junto disso, busque ajuda especializada, sempre respeitando a dignidade, a vontade e os recursos materiais e emocionais que a mulher dispõe no momento.
A cartilha com o protocolo de atendimento para casos de violência de gênero contra mulheres, desenvolvida pelo Escritório USP Mulheres, contém orientações sobre o acolhimento, encaminhamento e acompanhamento dessas mulheres. As orientações são válidas para quem tenha sofrido violência física, sexual, psicológica, moral e/ou patrimonial baseadas no gênero, mesmo aqueles que ocorreram por meios virtuais.
O Escritório USP Mulheres também disponibilizou o “Mapeamento dos serviços de atendimento à mulher em situação de violência” , com informações de serviços de assistência psicológica, jurídica, social, de defesa e de saúde oferecidos nas cidades em que há unidades da USP, incluindo informações sobre o funcionamento durante a pandemia Covid-19.
Como recomendação do Escritório, o aplicativo Campus USP registra ocorrências e aciona imediatamente a Guarda Universitária. Basta ativar o modo de alerta do aplicativo e, em situação de emergência, agitar o aparelho. Isso enviará um alerta para a guarda local que se movimentará para ajudar a vítima imediatamente. Faça o download: http://www.puspsc.usp.br/aplicativo-campus-usp/
Outro cuidado essencial é o acolhimento da mulher com discrição, sigilo, respeito e proteção à sua integridade física e dignidade. É importante verificar se o agressor está no local e se a mulher pode falar com privacidade e segurança. Um detalhe importante é observar se, durante o distanciamento social e as atividades remotas, o agressor está próximo, ouvindo ou vigiando a mulher e se há outras pessoas em casa, como crianças, idosos e/ou pessoas com deficiência e se estão em segurança.
Caso haja risco imediato, urgência ou necessidade de rápida intervenção, deve acionar a Polícia Militar pelo número 190, disponível 24h por dia. Em casos de violência sexual recente (menos de 72h) a vítima deverá ser orientada e encaminhada imediatamente aos serviços de saúde que oferecem profilaxia às infecções sexualmente transmissíveis e contracepção de emergência.
Mecanismos de proteção na universidade
Uma etapa crucial para o reconhecimento da situação de violência, humilhação ou discriminação no âmbito da USP por parte da Universidade é a formalização da denúncia. A Comissão de Direitos Humanos da sua unidade ou da unidade onde aconteceu a violação pode auxiliar. Caso não haja uma Comissão de Direitos Humanos local, as denúncias podem ser encaminhadas diretamente à direção da unidade por escrito. Outra possibilidade é a formalização por meio das Ouvidorias nas unidades ou da Ouvidoria Geral da USP.
As Comissões de Direitos Humanos são ligadas ao Gabinete do Reitor, promovendo e fiscalizando o cumprimento dos direitos humanos dentro da USP. “Atuamos tanto com ações promocionais, quanto com recebimento e encaminhamento de denúncias de violações de direitos, além de propostas para comunidade”, comenta Vitor Blotta, professor da Escola de Comunicações e Artes e membro da Comissão de Direitos Humanos da USP.
Segundo Blotta, não há normas na universidade e no estatuto do servidor público estadual para lidar administrativamente com questões de assédio sexual. Por isso, as denúncias e os processos em casos de violência de gênero devem ser combinados com um processo criminal e um processo administrativo que, em caso de condenação, pode levar a algum tipo de punição, como exoneração. Porém, entre estudantes, não há qualquer previsão nesse sentido.
“Ainda há muito para mudar e garantir o apoio para as mulheres. É necessário tanto um trabalho de formação e mobilização da comunidade USP para essa questão, quanto atendimentos especializados, como o protocolo da SAS, feito em parceria com o Escritório USP Mulheres”, relata Blotta. Em acréscimo, o professor adiciona que é importante modificar a legislação da Universidade para que haja previsões mais claras sobre assédio sexual e violência de gênero e quais medidas devem ser tomadas. “Esse tema tinha que ser transversal e envolver todos os setores, como uma política geral da Universidade para a igualdade de gênero e o fim da violência de gênero”, conclui.