Neste 18 de maio, Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, o CLADEM Brasil externa sua particular preocupação com a aplicação da Lei de Alienação Parental – LAP (Lei 12.318/2010), dentre outras tantas questões atinentes à proteção prioritária da criança e à ausência, insuficiência e inadequação de políticas públicas voltadas ao enfrentamento da violência sexual contra meninas e adolescentes.
O abuso sexual (que ocorre quando o corpo da criança ou adolescente é usado por um adulto para sua satisfação sexual) e a exploração sexual (que ocorre quando há o pagamento pela relação sexual com menor de idade, e inclui prostituição, escravidão sexual, turismo sexual e pornografia infantil) são formas de violência tipificados no Código Penal e vedados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
É dever constitucional de todos/as (família, sociedade e Estado) colocar crianças e adolescentes a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (CF, art. 227 e § 4º). Além de ser um compromisso internacional do Estado brasileiro “proteger a criança contra todas as formas de exploração e abuso sexual” e adotar “todas as medidas […] que sejam necessárias para impedir: o incentivo ou a coação para que uma criança dedique-se a qualquer atividade sexual ilegal; a exploração da criança na prostituição ou em outras práticas sexuais ilegais; a exploração da criança em espetáculos ou materiais pornográficos” (Convenção sobre os Direitos da Criança, art. 34).
Por definir a alienação parental como “a interferência na formação psicológica da criança ou adolescente” praticada por um dos genitores, a LAP tem sido alvo de intensos debates no âmbito do Poder Judiciário e do Poder Legislativo, pois normatiza uma teoria sem base científica consolidada, é considerada inapta para a garantia dos direitos de crianças e adolescentes e fomenta a discriminação de gênero contra as mulheres por produzir impacto desproporcional sobre elas, incompatível com a promoção do bem-estar familiar.
No entanto, a LAP tem sido utilizada contra mães para desestimular as denúncias de abuso sexual e violência doméstica, sob o risco de perderem a guarda dos filhos/as justamente para os agressores. Frequentemente, com fundamento na LAP, as denúncias de abuso sexual são invalidadas e a convivência da criança com o agressor passa a ser compulsória, ocorrendo o silenciamento da palavra da vítima, a quem sequer é dado o benefício da dúvida, e a repressão de toda e qualquer inciativa de quem (normalmente a mãe ou família materna) busca a tutela da justiça para fazer valer o princípio da proteção integral da criança e do adolescente. Noutra toada, a LAP, ao invisibilizar a violência sexual, serve ao propósito de garantir a impunidade dos agressores, além de perpetuar o continuum da violência.
A violência contra meninas e adolescentes, na América Latina, caracteriza-se pela discriminação histórica e determinado por causas estruturais que a reproduzem, como o sexismo e o adultocentrismo, além de fatores de risco, como baixa escolaridade, barreiras ao acesso aos serviços de saúde, acesso à justiça e proteção integral.
A violência sexual não pode ser considerada como o prelúdio para outras violências, mas como um fenômeno cuja reprodução constante desencadeia a violência feminicida que coloca mulheres em risco de morte, especialmente meninas e adolescentes. Nesse sentido, aponta a pesquisa recente realizada por UNFPA e CLADEM – Violencia sexual hacia niñas, adolescentes e mujeres jovenes: Sistematización de prácticas prometedoras de atención y prevención em América Latina el Caribe, que apresenta recomendações visando proteger os direitos de meninas e adolescentes dos efeitos ou consequências naturalização da violência sexual
A pesquisa realizada por UNFPA e CLADEM mostra a relação entre as diferentes dimensões da violência feminicida e estruturas desiguais e patriarcais, bem como sua conexão com feminicídio/feminicídio, desaparecimento, suicídio, falta de acesso à interrupção legal da gravidez e óbito materno.
Por oportuno, destacamos as recomendações da pesquisa no campo da justiça. Assim, aponta-se (1) a necessidade de os Estados cumprirem as decisões do Sistema Interamericano de Direitos Humanos (como exemplo, os casos: Artavia Murillo vs. Costa Rica, 2012; Iv. vs. Bolívia, 2016; Espinoza vs. Peru, 2014; e Guzman Albarracín e outros vs. Peru); (2) o conhecimento e a apropriação dessa jurisprudência pelo sistema de justiça; (3) o desenvolvimento de protocolos de pesquisa que permitam que as especificidades de cada tipo de violência sejam adequadamente documentadas.
Igualmente, para o campo da educação a pesquisa recomenda, além da formação permanente para todo o sistema educacional e criação de protocolos de tolerância zero para assédio sexual ou assédio online e nas escolas, a garantia do direito à educação integral em sexualidade de crianças e adolescentes em todas as áreas do sistema educacional.
Práticas culturais prejudiciais e silêncios cúmplices em diferentes áreas reproduzem a violência sexual contra meninas e adolescentes. Para elas não há lugar seguro, de proteção e refúgio, especialmente quando sofrem violência sexual intrafamiliar, por causa da impotência e subjugação que sentem na frente do agressor na vida cotidiana.
Brasil, 18 de maio de 2022,
Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes
CLADEM Brasil