O novo documento do Ministério da Saúde (MS) “Atenção técnica para prevenção, avaliação e conduta nos casos de abortamento”, lançado em junho de 2022, não é baseado nas melhores evidências científicas disponíveis sobre o tema e não promove um atendimento humanizado e acolhedor para meninas e mulheres. O Ministério da Saúde seguiu, aproximadamente até 2018, reconhecida tradição de produzir documentos baseados em evidências, em geral alinhadas às diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS). Esse compromisso é obrigatório no caso do Estado brasileiro, já que é membro da Organização, e não pode ser mitigado conforme a orientação político-ideológica da pasta.
Neste novo documento, o MS rompe mais uma vez com essa responsabilidade. Sequer há referências para grande parte das informações disponibilizadas, ou há referências incompatíveis com o tema tratado ou incompletas. Algumas orientações são baseadas em casos episódicos ou em avaliações morais, sem qualquer respaldo científico ou normativo. O resultado é a imposição de obstáculos à concretização do direito à saúde de mulheres e meninas.
Recomenda-se que os profissionais da saúde continuem seguindo o que está estabelecido nas leis brasileiras, combinado à interpretação do que designam as melhores evidências em saúde.
Por não serem normas legais submetidas ao rito legislativo, o direito brasileiro não confere a documentos como esse o poder de limitar cuidados em saúde. Guias ou normas técnicas de saúde são importantes fontes de orientação para os profissionais quando estão de acordo com as melhores evidências e práticas de saúde. Do contrário, não podem limitar direitos e obrigações previstos em lei. Na ausência de orientações confiáveis e atualizadas por parte do Ministério da Saúde, os profissionais de saúde podem e devem utilizar as melhores evidências e práticas, como
determinam seus compromissos ético-profissionais e exige a lei brasileira.