(O Estado de S. Paulo) Elas precisam de alguém que as defendam da ameaça republicana e Hillary, melhor do que ninguém, é a resposta
MAUREEN DOWD É COLUNISTA, THE NEW YORK TIMES – O Estado de S.Paulo
Hillary Clinton lutou em defesa dos direitos das mulheres em todo o mundo. Mas quem teria imaginado que ela teria de lutar por eles em seu país? “Continuo sem compreender por que os extremistas sempre se voltam contra as mulheres”, disse ela a uma plateia de fãs durante o Women in the World Summit, realizado no sábado no Lincoln Center.
“Mas todos eles parecem fazer o mesmo. Não importa o país em que estejam nem a religião que afirmem seguir. Seu objetivo é controlar as mulheres. Querem controlar nossa maneira de vestir. Querem controlar nosso comportamento. Querem até controlar as decisões que tomamos em relação à nossa saúde e ao nosso corpo.”
“Pois é difícil acreditar que até mesmo no nosso país somos obrigadas as defender os direitos das mulheres e rejeitar as tentativas de marginalizar qualquer uma de nós, pois os Estados Unidos precisam dar o exemplo ao restante do mundo”, disse em meio a aplausos. Como secretária de Estado, Hillary não deveria se meter na política interna. Mas se tratava de uma oportunidade, um embate titânico entre o Inevitável (Hillary) e o Indefensável (os homens das cavernas do Partido Republicano).
A tentativa dos homens republicanos de obrigar as mulheres a voltar aos cintos de castidade deu nova vida ao presidente Barack Obama, mas irritou e indignou Hillary. E isso pode se revelar a coisa mais perigosa que os extremamente autodestrutivos líderes republicanos poderiam ter feito. Num estranho surto de misoginia em massa, os republicanos estão afastando de si as eleitoras – tanto republicanas quanto independentes – que os ajudaram a obter o controle da Câmara em 2010.
A senadora Olympia Stone, que já se cansou do tratamento e vai deixar o Congresso, disse a Karen Tumulty, do Washington Post, “temos a sensação de estarmos retrocedendo a uma outra era”. Ela alertou que os republicanos podem estar empurrando as mulheres para os braços dos democratas. E quem poderia ser melhor do que Hillary para recebê-las com um abraço de boas-vindas? A mulher que foi descrita como “sexecretária de Estado” por Rush Limbaugh saberia muito bem como contra-atacar.
Impasse. Tem-se especulado muito a respeito da ascensão de Hillary. Patrick Caddell e Douglas Schoen sugeriram no Wall Street Journal que Obama deveria “assumir uma posição moralmente elevada” e deixar que Hillary concorra à presidência. Segundo a argumentação deles, Hillary poderia “romper o impasse em Washington”. Trata-se de um cenário divertido, mas absurdo.
Al Hunt, da Bloomberg News, escreveu esta semana que Hillary passaria com facilidade por Larry Summers e ficaria com a presidência do Banco Mundial, além de ser automaticamente o principal nome dos democratas para as eleições de 2016. Meu colega Bill Keller sugeriu que ela substituísse Joe Biden na candidatura à vice-presidência este ano, rebaixando-o para o bairro de Foggy Bottom, em Washington: “Uma Hillary vice-presidente seria um trunfo formidável no governo e na campanha, tanto como estrategista política quanto como mensageira para o Capitólio. Em termos simples, ela tem uma capacidade notável de se orientar no mundo de homens poderosos e problemáticos”.
Mas ela não seria capaz de passar por dois homens poderosos que consideram sua ascensão problemática: Obama e Biden. Por mais que os comentaristas gostem de comentar a respeito da troca Biden-Hillary simplesmente porque ela é muito mais convincente – e experiente – do que todos os adversários republicanos, esta opção não está no horizonte da Casa Branca. Isso faria com que o presidente parecesse fraco, desesperado e desleal, e obteria uma vice-presidente que disputaria com ele os holofotes. Além disso, antes de sair de cena, Biden se algemaria a Barack Obama.
Sem dúvida, o ataque republicano às mulheres proporciona, tanto para Obama este ano quanto para Hillary em 2016, um caminho fácil em direção à Casa Branca.
As mulheres assistiram a uma assustadora sequência de esforços por parte do Congresso e de alguns Estados no sentido de transformar as mulheres em propriedades, de constrangê-las em relação ao sexo e de limitar seus direitos reprodutivos. Elas viram a reação covarde dos candidatos republicanos depois que Rush Limbaugh rotulou de “prostituta” e “vadia” uma estudante de Direito que pedia ao seguro saúde que cobrisse as despesas com pílulas anticoncepcionais, prática que é comum há quase cinco décadas.
As mulheres americanas perceberam subitamente que sua emancipação no século 21 não está garantida, como supunham. No programa Meet the Press, transmitido no domingo, o governador da Virgínia, Bob McDonnell, um republicano, teve a audácia de dizer o seguinte para justificar seu apoio a uma lei cujo objetivo é humilhar as mulheres que fazem aborto ao penetrá-las com um dispositivo para tirar fotos: “Todo procedimento invasivo exige um consentimento informado”.
Minorias. O que ele queria de fato dizer é que, quando o aborto se torna uma opção, o consentimento informado deve exigir um procedimento invasivo. Acompanhando as opiniões talibanescas de Rick Santorum, Mitt Romney sugeriu numa entrevista concedida na terça-feira a uma emissora de TV de St. Louis que, para ajudar a equilibrar o orçamento federal, ele propunha eliminar o financiamento ao Planejamento Familiar: “Vamos acabar com isso”.
As mulheres que imaginaram que a eleição de Obama significaria o fim de todas as subdivisões e minorias estão começando a pensar: talvez ele não seja suficiente. Se o desejo desses líderes conservadores de submeter as mulheres a seu jugo está tão à flor da pele assim, se eles são perversamente impelidos a rebaixar as mulheres por mais que isso possa significar a própria derrota política, então talvez Obama não seja suficiente para defendê-las. Se as americanas se encontram em posição tão vulnerável, talvez precisem ser defendidas por uma mulher.
Será que ela é inevitável? / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
Acesse em pdf: Não mexam com as mulheres, por Maureen Dowd (O Estado de S. Paulo – 17/03/2012)