Há pelo menos 20 anos começamos a ouvir o termo ‘violência obstétrica’, uma expressão criada para nomear sucessivas violações de direitos das mulheres durante a gravidez, parto, pós-parto e em casos de abortamento. Enfrentamos intimidação moral, violência psicológica e até física em alguns dos momentos mais importantes e sensíveis de nossas vidas – a gestação, o nascimento dos nossos filhos ou quando precisamos de atendimento (e acolhimento) porque a gravidez foi interrompida. O problema é tão grave e tão conhecido que já existe um projeto de lei tramitando no Senado Federal para tornar a violência obstétrica crime. E são tantas as formas em que somos agredidas nesse período que é difícil até citar apenas algumas, mas vamos lá.
Começa muitas vezes na porta da maternidade, quando não deixam que a mulher tenha um acompanhante. Ela é admitida sozinha e ouve que o hospital ‘não tem estrutura física’ para que alguém fique com ela, direito garantido por lei. E aí enfrenta todas as dores e desafios do parto muitas vezes sem ter uma mão para segurar, recebendo a visita da equipe médica apenas de tempos em tempos, sem saber como e se o parto está evoluindo, fazendo com que o nascimento do filho não seja um momento de felicidade, mas de angústia;
Continua quando somos presenteadas por uma sucessão de exames de toque (introdução de dois dedos no canal vaginal para exame do colo do útero) feitos por diversas pessoas (a enfermeira, o enfermeiro, o médico do plantão, o médico que rende o médico do plantão anterior, todos os estudantes de medicina que aparecerem e por aí vai) que sequer dizem o que vão fazer quando se aproximam para nos examinar;
Passa por não respeitarem a nossa escolha da melhor posição para dar à luz nossos filhos. Somos sempre deitadas na horizontal, mesmo quando nosso corpo pede que a gente ande, agache, fique de cócoras, aproveitando da lei da gravidade para a descida do bebê – os médicos dizem que deitada ‘é mais fácil’ (para eles, claro, a gente que lute).
Depois, quando a dor começa a apertar e começamos a vocalizar e gemer, ouvimos um agressivo ‘na hora de fazer (o filho) não gritou, né?’, ou ‘Cala boca! Se você gritar nós não vamos te atender’ e por aí vai. As dores do parto podem ser muito fortes e nem todas as mulheres conseguem manejar as tais contrações que vão e vêm, cada vez mais fortes, longas, com menos intervalo de tempo, sem a ajuda de uma anestesia. Muitas passam horas e mais horas em profundo sofrimento sem analgesia porque ‘não tem anestesista’. (Esse profissional pode aparecer milagrosamente se a mulher desistir do parto normal e implorar por uma cesárea, algo que cai como uma luva na agenda apertada da equipe de saúde.