Foram analisadas 167 decisões de diversos tribunais brasileiros sobre o crime de autoaborto, previsto no artigo 124 do Código Penal
A Clínica de Direitos Humanos das Mulheres (CDHM) da USP, em parceria com a Clooney Foundation for Justice, elaborou um relatório com análise de 167 decisões de diversos tribunais brasileiros sobre o crime de autoaborto, previsto no artigo 124 do Código Penal, e identificou um padrão referente às denúncias desse crime.
O relatório indicou o uso recorrente de estereótipos de gênero enquanto fundamento utilizado em desfavor das mulheres nas decisões judiciais, diz a professora Fabiana Severi, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, que fala sobre esse tema no episódio desta semana da série Mulheres e Justiça, com a advogada Gabriela Cortez Campos, mestranda da FDRP.
A pesquisa, que deu origem ao relatório, identificou ainda um padrão referente à denúncia das mulheres por aborto, realizada sempre pelos profissionais de saúde envolvidos e concluiu que a maioria das mulheres é condenada com base em provas tênues, juridicamente insuficientes e, muitas vezes, produzidas de forma ilegal. “Informações constituídas durante o atendimento médico eram repassadas para as autoridades policiais, através da quebra do sigilo médico e esses elementos muitas vezes eram as únicas provas contra a mulher na análise dessas decisões.” As pesquisadoras também observaram o uso recorrente de estereótipos de gênero, que defendem o ideal de maternidade e desumanizam as mulheres que buscam o aborto. “Com isso foi possível perceber que muitas mulheres têm seus direitos violados, sendo condenadas com base em provas frágeis e ilegais.”
No estudo, as pesquisadoras escolheram reescrever uma das decisões analisadas pelo relatório, que representava esse padrão encontrado, e analisaram um habeas corpus impetrado pela defensoria, que buscava encerrar uma ação penal de denúncia do médico, que atendeu essa mulher na decisão original. “Nela, o juiz afirma não haver problema na quebra desse sigilo médico, porque ela deve proteger a vida do feto.”