De cada cinco feminicídios registrados no país, um acontece aos domingos; fim de semana concentra 37% das ocorrências desse tipo de crime
Quando Suzana Silva e Lindojohnson Ferreira casaram, ganharam de presente do pai dela uma casinha na localidade de Mocamba, na cidade de Barras – a 130 km de Teresina, no Piauí. O casal namorava havia seis anos, e Suzana acabara de engravidar. Na casa que ganharam decidiram montar um bar, que funcionava anexo à residência. Ferreira tratou de vedar as entradas da casa: não queria os clientes olhando para sua esposa. Também vendeu a moto pilotada por ela. A jovem já não recebia mais visitas e também pouco visitava a família ou amigas. Só saía de casa na companhia do marido. As brigas se sucediam e, no começo de fevereiro de 2022, Suzana decidiu pedir o divórcio e voltar, pela terceira vez, para a casa dos pais. O motivo era sempre o mesmo: o ciúme doentio de Ferreira. Mas, assim como das últimas duas vezes, ela cedeu diante dos pedidos de desculpas e das promessas do marido. Combinaram que no domingo, 13 de fevereiro, ele iria buscá-la para passear em Barras. Ficaram juntos durante todo o dia e voltaram para a casa de Mocamba. No fim da tarde, ela entrou no chuveiro para tomar banho. Antes que saísse, o marido entrou no banheiro e atacou-a a facadas. A moça de 24 anos, mãe de um filho de 3, saiu correndo nua pela casa, em desespero, até chegar à porta do bar em busca de ajuda. Com o estabelecimento fechado, não encontrou ninguém. Na frente de casa, foi esfaqueada até perder as forças.
Cinco meses depois, no município de Feijó, região Norte do Acre, Lauana Gomes dos Santos, 22 anos, parda, uma moça bonita, de cabelos cacheados e olhos castanhos, não sobreviveria ao domingo 24 de julho de 2022. Vivia com o marido, Fábio Sousa, 26 anos, um casamento “cheio de brigas”. “Ele tentou enforcá-la duas vezes, ela corria e vinha aqui pra minha casa. Mas voltava pra ele”, conta Maria José Araújo Gomes, mãe de Lauana. Sobrevivente de um relacionamento abusivo, do qual se livrou ao abandonar o marido e criar sozinha os sete filhos, Maria José viu a história de violência se repetir com a filha do meio. Na última noite que passou com vida, Lauana e o marido tinham brigado. Segundo testemunhas relataram à polícia, ele estava bebendo na rua, como costumava fazer antes de agredi-la. Quando bateu na porta de casa, ela não quis abrir. Ele disse que queria só pegar uma mochila. Lauana permitiu, e a discussão começou – e só acabou com Lauana assassinada com doze facadas, na presença dos dois filhos, um de 4 anos, outro de 3 meses.
A moça do Piauí e a moça do Acre morreram em dois domingos. Para muitas brasileiras, domingo não é dia de festa, nem de missa, nem de churrasco, nem de pizza, nem de futebol. É dia de perigo e morte. De cada cinco feminicídios registrados no país em 2022, pelo menos um aconteceu aos domingos. Os fins de semana concentram 37% das ocorrências desse tipo de crime no país. Depois do domingo, o dia mais perigoso para as mulheres é o sábado (16,1% dos casos), seguido pela segunda-feira (15,3%). Nos demais dias da semana, a proporção variou pouco: 12,5% na sexta, 12% na quarta, 11,5% na terça e na quinta.