A discussão sobre a validade de uma orientação do Ministério da Saúde que veda o aborto legal após 22 semanas de gestação evidenciou condutas divergentes adotadas por unidades de saúde do país. Embora na maioria dos estados a interrupção da gravidez seja recusada após o prazo, em ao menos dois hospitais, no Recife e em Uberlândia (MG), a prática é autorizada. Um terceiro, em São Paulo, também realizava o procedimento, mas interrompeu o serviço em dezembro por decisão da prefeitura.
Para a recusa, os hospitais usam como respaldo uma nota técnica publicada pelo Ministério da Saúde em 2022, durante a gestão de Jair Bolsonaro, que fixa um prazo limite de 21 semanas e 6 dias de gestação para o procedimento.
Para especialistas e para o Ministério Público Federal, contudo, a norma vai contra o Código Penal e induz as equipes de saúde ao erro. O principal argumento é que a lei não prevê limite de semanas nos casos em que o procedimento é permitido — quando não há outro modo de assegurar a vida da gestante e se a gravidez é resultado de um estupro. Também não há prazo limite se o feto é anencéfalo, ou seja, quando há má formação do cérebro, conforme entendeu o Supremo Tribunal Federal (STF) em 2012.
O tema se tornou alvo de polêmica no fim de fevereiro, após o Ministério da Saúde suspender a nota técnica de 2022. A medida, entretanto, virou alvo de críticas de conservadores e opositores à atual gestão, sendo revertida pela ministra Nísia Trindade em poucas horas.
Consulta jurídica
A suspensão da orientação de 2022 veio por meio de uma outra nota técnica, que afirmava que “se o legislador brasileiro, ao permitir o aborto, nas hipóteses descritas no artigo 128 não impôs qualquer limite temporal para a sua realização, não cabe aos serviços de saúde limitar a interpretação desse direito”. Segundo a pasta, contudo, o documento publicado no dia 28, “não passou por todas as esferas necessárias do Ministério da Saúde e nem pela consultoria jurídica”.
As secretarias e unidades de saúde que estabelecem prazo para o aborto afirmam seguir a orientação do ministério, que segue em vigor. A orientação, contudo, vale apenas para o caso de estupro, uma das hipóteses em que a lei autoriza o procedimento.
O GLOBO procurou as secretarias de saúde e os hospitais de referência que fazem o aborto legal em 12 capitais do país, e apenas o Centro Universitário Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), no Recife, e o Hospital de Clínicas de Uberlândia afirmaram atender abortos legais acima do prazo fixado pela nota.