(Simon Romero, do The New York Times-Rio de Janeiro/UOL Notícias) A indústria petrolífera global é há muito tempo um nicho masculino, sendo representada na imaginação popular por xeiques árabes de países do Golfo Pérsico e figuras fictícias arrogantes como J.R. Ewing, da série norte-americana “Dallas”. Mas uma exceção a essa regra emergiu no Brasil, a potência petrolífera emergente da América Latina, onde as mulheres atualmente ocupam os cargos mais poderosos no próspero setor de energia do país.
Neste ano, em um período de apenas algumas semanas, Maria das Graças Foster, uma engenheira química, foi alçada ao cargo mais graduado da Petrobras, a companhia petrolífera estatal brasileira, e Magda Chambriard foi nomeada para a chefia da Agência Nacional de Petróleo, que regulamenta o setor petrolífero do Brasil.
A designação de mulheres para cargos de chefia como esses é uma prioridade da presidente Dilma Rousseff, a primeira mulher a governar o Brasil. Rousseff, que visitou os Estados Unidos nesta semana, foi ministra das Minas e Energia por sete anos durante a administração do seu predecessor, Luiz Inácio Lula da Silva.
“Dilma Rousseff conhece essa indústria muito bem, e ela pode ser extremamente exigente”, disse Maria das Graças Foster em uma entrevista concedida aqui sobre Dilma Rousseff, uma economista sobre a qual circulam histórias famosas relativas a atos de intimidação cometidos contra os seus subordinados, o que proporciona aos comediantes brasileiros um farto material para piadas. “Quando ela telefona, eu preciso ter a resposta na ponta da língua”, afirmou Foster.
Não há muitos exemplos de mulheres que galgam a hierarquia da indústria petrolífera. Dentre os integrantes da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), Diezani Alison-Madueke, a ministra do Petróleo da Nigéria, é mulher. Nos Estados Unidos, Lynn Elsenhans foi diretora executiva da companhia Sunoco durante quatro anos, até deixar o cargo neste ano. As diretoras executivas da Pertamina, a companhia petrolífera da Malásia, e da Schlumberger Asia, uma companhia de prestação de serviços a campos de petróleo, também são mulheres.
Mas administrar a Petrobras, encarregada da exploração de vastas reservas de petróleo recém-descobertas em águas profundas ao largo da costa brasileira, é outra história. A companhia, criada há 58 anos e chefiada nos seus primeiros anos por Walter Link, um empresário norte-americano do setor petrolífero, está investindo, segundo algumas estimativas, mais dinheiro – após a correção inflacionária relativa ao período – do que a Nasa gastou na década de sessenta para enviar uma missão tripulada à Lua, com o objetivo de retirar petróleo de reservas situadas a quilômetros de profundidade sob água, rochas, areia e sal.
“O programa que a Petrobras está lançando é crítico tanto para o Brasil quanto para o mercado global”, afirma Daniel Yergin, autor de “The Quest”, (“A Busca”), um novo livro sobre o setor internacional de energia. “Ela enxerga o quadro maior e, ao mesmo tempo, presta muita atenção aos detalhes”, disse ele sobre a nova presidente da empresa. “Ela em breve tornar-se-á uma das pessoas mais importantes da indústria petrolífera mundial e certamente a mais importante e influente mulher deste setor em todo o mundo”.
Se a Petrobras for capaz de alcançar as suas metas de produção ambiciosas até a próxima década, o Brasil poderá ultrapassar as potências petrolíferas da América Latina, o México e a Venezuela, na lista dos principais produtores globais. Os negócios da Petrobras já estão fazendo com que a economia do Rio de Janeiro experimente um forte aquecimento, já que a chegada de vários profissionais estrangeiros da área está provocando a disparada dos preços dos aluguéis em bairros exclusivos à beira-mar como Ipanema e Leblon.
Mas Foster ainda mora no seu apartamento em Copacabana, uma área menos nobre, na qual há uma grande aglomeração de prédios residenciais altos e que é cercada de favelas situadas nos morros. Ela se constitui em uma anomalia no setor petrolífero, não só pelo fato de ser mãe de dois filhos já adultos, mas porque decidiu não ter sequer carro próprio. Os motoristas de táxi de Copacabana ligam frequentemente para ela, que eles chamam de “a mulher do combustível”, oferecendo os seus serviços.
Maria das Graças Foster nasceu há 58 anos, mais ou menos na época em que a Petrobras foi concebida com o objetivo de reduzir a dependência do Brasil de petróleo estrangeiro. Na década de cinquenta, os pais dela mudaram-se do Estado vizinho de Minas Gerais para o Rio de Janeiro, e foram morar no Morro do Adeus, uma área pobre no morro que atualmente faz parte do Complexo do Alemão, um grupo de favelas ocupadas pelas forças de segurança brasileiras.
Aos oito anos de idade, ela ajudava a complementar a baixa renda da família trabalhando como recicladora de lixo, coletando latas e papel. Ela também ganhava dinheiro lendo e escrevendo cartas para os seus vizinhos, uma família de imigrantes de Portugal.
Após frequentar escolas públicas do Rio de Janeiro, Maria das Graças tornou-se estagiária da Petrobras enquanto estudava Engenharia Química na Universidade Federal Fluminense. A seguir, ela foi atraída pela ideia de fazer pós-graduação em engenharia nuclear, em uma época na qual o Brasil estava desenvolvendo a sua capacitação nesse setor. Mas ela não gostou da perspectiva de ter que passar cinco anos na Alemanha para se aprofundar na área, de forma que acabou retornando à Petrobras. Após voltar a companhia, ela nunca mais saiu, tendo ascendido na hierarquia da empresa, passando por vários cargos de chefia, e obtendo um MBA na Fundação Getúlio Vargas, uma universidade brasileira de elite.
Em 1998, quando trabalhava para uma unidade da Petrobras que estava envolvida na construção de um gasoduto para a importação de gás natural da Bolívia, ela conheceu Dilma Rousseff, que à época era uma obscura funcionária do setor de energia no Rio Grande do Sul, um Estado da Região Sul do Brasil. Maria das Graças, que apoiava o Partido dos Trabalhadores, que está no poder no Brasil desde 2002, concordava ideologicamente com Dilma, que foi guerrilheira marxista na juventude. Ambas se dedicam agora a atrair investimentos estrangeiros para a indústria petrolífera brasileira e a expor a Petrobras às forças de mercado.
Quando o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva nomeou Dilma Rousseff para o seu gabinete como ministra das Minas e Energia do Brasil, ela escolheu Maria das Graças para ser uma das suas principais assessoras em Brasília, a capital brasileira. Após ficar no cargo durante dois anos, Maria das Graças decidiu retornar às responsabilidades menos burocráticas na Petrobras.
“O meu negócio é petróleo e gás”, declarou ela. As ações da Petrobras subiram quase 4% naquele dia de janeiro em que ela foi nomeada presidente da Petrobras, substituindo o economista José Sérgio Gabrielli. Mas ela teria pela frente importantes desafios.
Maria das Graças já está sendo submetida a um escrutínio pela mídia brasileira, que é a mais agressiva da América Latina quando se trata de questionar as estruturas de poder dentro de grandes companhias como a Petrobras. O jornal “Folha de São Paulo” publicou em 2010 matérias informando que uma companhia controlada pelo marido dela, Colin Foster, um britânico que mora há muito tempo no Brasil, havia recebido vários contratos desde 2007 no valor de centenas de milhares de dólares para fornecer equipamentos eletrônicos à Petrobras.
A Petrobras negou ter cometido qualquer irregularidade, alegando que nenhuma das aquisições foi feita pela unidade de gás e energia, que estava sob o comando de Maria das Graças Foster.
Além disso, uma porta-voz da companhia disse em uma resposta por escrito a perguntas sobre esses contratos que a Petrobras fez apenas “pequenas compras” na companhia de Colin Foster entre 2005 e 2010.
As ações da companhia tiveram uma queda de mais de 30% no decorrer do ano passado devido às preocupações persistentes quanto a uma série de problemas, como o atraso da encomenda de navios de estaleiros brasileiros para as operações de alto-mar da Petrobras e os custos provocados pela venda da gasolina no país a preços relativamente baratos e a importação de produtos refinados do exterior.
Mas talvez o maior problema para a Petrobras seja atender às expectativas de aumentar a extração do patamar atual de 2,3 milhões de barris diários para estimados 4,5 milhões. Para isso será necessário que a Petrobras, a maior empresa da América Latina, supere gargalos de fornecimento de equipamentos, desenvolva novas e complexas tecnologias de perfuração e faça com que diminuam as preocupações quanto a ocorrência de vazamentos nos campos de petróleo em alto-mar.
“Nós estamos trabalhando para chegar lá”, disse Maria das Graças Foster a respeito das metas de produção da Petrobras.
A nomeação de Maria das Graças Foster para a presidência da Petrobras é apenas um dos exemplos da iniciativa de Dilma Rousseff de inserir mulheres nas mais altas hierarquias do governo desde que ela tomou posse no ano passado. Os seus 38 ministérios têm dez ministras, incluindo a sua ex-chefe de gabinete, Gleisi Hoffmann, e Ideli Salvatti, que administra as delicadas relações do governo com um congresso cujas lealdades são duvidosas.
Embora Dilma Rousseff desfrute de um índice da aprovação popular de mais de 70%, as reações às nomeações feitas por ela têm sido mistas. Líderes de igrejas evangélicas recentemente criticaram a ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, Eleonora Menicucci, devido ao apoio desta ao aborto em casos de estupro ou quando a saúde da mulher correr riscos. E, em 2011, o ministro da Defesa, Nelson Jobin questionou a nomeação de Salvatti para o cargo de ministra da Secretaria de Relações Institucionais, chamando-a de “muito fraquinha” em declarações públicas. Dilma Rousseff respondeu com a demissão rápida de Jobin, substituindo-o pelo ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim.
Maria das Graças Foster afirmou estar bastante consciente dos desafios que a aguardam como mulher que está à frente de uma companhia petrolífera de 82.1 mil funcionários em um setor dominado por indivíduos do sexo masculino.
“As melhores pessoas para trabalhar comigo são aquelas que me interrompem, e que até me questionam”, disse ela. “Se eu estiver falando alto, falem ainda mais alto. Quem participar das discussões encontrará um ambiente que é mais intenso, e de fato até mais caloroso, no qual é possível encontrar as melhores soluções para a companhia”.
Tradutor: UOL
Acesse em pdf: Petróleo e mulheres são mistura poderosa no Brasil (UOL Notícias – 14/04/2012)