“Não há segurança jurídica que garanta a dignidade póstuma para pessoas trans”, diz ativista dos direitos LGBTQIA+
Amanda de Souza Soares, também conhecida como Mandy Gin Drag, era uma mulher trans de 23 anos, cantora de sertanejo e passista de escola de samba. Ela se preparava para desfilar pela Acadêmicos do Cubango no carnaval deste ano quando teve seus sonhos interrompidos: foi encontrada morta num terreno baldio perto de casa, em São Gonçalo, na madrugada do dia 1º de fevereiro. Era seu primeiro encontro com Marlon Nascimento da Silva, que confessou o crime após ser detido.
Para Tiago Souza, amigo de infância da cantora, “o crime aconteceu porque ela era uma mulher trans; ele disse que estava com medo de descobrirem a relação deles, que ela contasse para as pessoas”. Amanda, além de vítima do transfeminicídio, morreu uma segunda vez. Após o falecimento, o direito de ter o nome registrado na certidão de óbito foi negado. O cartório não emitiu o atestado com o nome social, devido a uma exigência legal — apesar do nome social já constar na carteira de identidade, em vida, ela não havia realizado a retificação na certidão de nascimento devido à burocracia e custo, e foi sepultada com nome civil masculino.
“Mataram Amanda, enterraram Yago”, diz Tiago, que acompanhou a luta da família pela requalificação pós-morte. Ao pensar na injustiça, lembra a escolha do nome feminino e tudo que acompanhou a transição de gênero: “Ela escolheu Amanda porque significa digna de ser amada. Amanda era uma pessoa vulnerável, que não abaixava a cabeça para a sociedade e passava por cima de tudo para lutar pelos direitos da comunidade. Para os familiares e amigos, foi muito triste ter que lidar, ainda, com a morte de outra pessoa que não Amanda. Não podia ficar assim”.
Enquanto lidavam com o luto pela perda brutal, a família reuniu forças para acionar a Defensoria Pública do Rio de Janeiro, com o apoio do Movimento de Mulheres de São Gonçalo (MMSG) — organização que prestou atendimento psicológico e acompanhou a família no processo para acionar o sistema de garantia de direitos. No Dia Internacional da Mulher, 8 de março, o juiz André Britto assinou a sentença que possibilitou a mudança do nome na certidão de nascimento e no atestado de óbito, primeira requalificação pós-morte registrada de São Gonçalo.