Em conversa com a Alma Preta, Luyara Franco diz que a falta de respostas e responsabilização são um aval do Estado para que outras violências contra as mulheres negras sigam acontecendo
As respostas sobre os assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes nunca estiveram tão próximas de vir à tona. A Justiça do Rio de Janeiro marcou para o dia 30 de outubro, a partir das 9h, o julgamento dos ex-policiais militares Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, acusados de executar a vereadora e o motorista que a acompanhava.
Já os réus acusados de planejar o crime serão interrogados a partir desta segunda-feira (21) em ação que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). Os interrogatórios dos réus, o deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, Domingos Brazão, o ex-delegado da Polícia Civil Rivaldo Barbosa, o major Ronald Paulo Pereira e o policial militar Robson Calixto Fonseca, estão agendados para ocorrer até 25 de outubro. O relator do caso é o ministro Alexandre de Moraes.
À Alma Preta, Luyara Franco, a filha de Marielle Franco, co-fundadora e diretora de Legado do Instituto Marielle Franco, denuncia a provável motivação do crime contra a socióloga e defensora dos direitos humanos, e compartilha a expectativa da família sobre o caso.
“Nós temos esperança de que esse crime seja elucidado completamente quanto antes. Esse júri popular, que finalmente foi marcado após seis anos e sete meses de luta por justiça, é uma significativa etapa nessa árdua jornada em que vivemos desde 14 de março de 2018,” disse a estudante de educação física da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
Segundo a co-fundadora do instituto, a expectativa e reivindicação da família é que o julgamento e toda a ação penal sigam o devido processo legal, atendendo aos mais altos padrões de direitos humanos com celeridade e imparcialidade e que o sistema de Justiça garanta medidas de responsabilização aos autores do crime. “Esse é um passo que aguardamos há tempo demais, a democracia brasileira precisa dessa resposta”, diz.
No entendimento de Luyara, o crime brutal claramente carrega motivações políticas, sexistas, lgbtfóbicas e racistas. “Esperavam interromper o ciclo de avanços que minha mãe simboliza, objetivavam intimidar aqueles que lutam pelos direitos humanos e pelo Estado de Direito no Brasil”, pontua.
A estudante ressalta que, apesar do júri de 30 de outubro ser uma etapa importante, a “luta por justiça não se encerrará neste dia”. Para multiplicar o legado deixado por Marielle, seus familiares tecem uma resistência diária de forma coletiva junto a movimentos, coletivos e organizações da sociedade civil.
“Eu, como filha de Marielle Franco, sou a continuação do sonho da minha mãe, e movida pelo elo profundo que me une a ela, acredito que somente com a nossa ancestralidade, matripotência e protagonismo conseguiremos mudar as estruturas da sociedade e a fotografia do poder, de modo a alcançar justiça e reparação. E reparação, para nós, mulheres negras, é construir o futuro fazendo justiça ao passado”, manifesta.
‘Falta de respostas é aval do Estado para violência contra as mulheres negras’
A co-fundadora e do Instituto Marielle Franco pontua que o caso também é importante por mostrar como o Estado brasileiro lida com graves violações de direitos humanos, especialmente aquelas cometidas contra mulheres negras que participam da política institucional.
Para ela, o crime marcou a história política brasileira e mundial, por demonstrar a fragilidade da democracia no Brasil. Além disso, levantou a importância do debate da violência política de gênero e raça, da violência letal LGBTfóbica e do ataque a defensores de direitos humanos no país.
“Historicamente, agentes e ex-agentes do Estado não são responsabilizados pelos seus crimes contra pessoas como nós. Isso desde a escravidão, nos governos autoritários, na ditadura militar e, ainda, depois dela. Isso permite que esses crimes continuem acontecendo sistematicamente, em todo o país”, explica.
“Muitas mulheres negras políticas defensoras dos direitos humanos também sofrem violência política por serem associadas à figura da minha mãe e às ideias que ela defendia. A falta de respostas concretas e responsabilização neste caso segue como um aval do Estado para que outras violências contra as mulheres negras sigam acontecendo”, revela.
Segundo as investigações, há envolvimento do Estado em múltiplos níveis no crime contra Marielle. Diante disso, Luyara Franco acredita que o desfecho do caso também pode ser visto como um precedente para que inúmeras outras famílias alcancem justiça.
“Os significados e os danos desse crime impactaram não apenas a nossa família como a sociedade brasileira e a nossa democracia, por essa razão a resposta nesse caso é um passo fundamental para o aprimoramento substancial da democracia brasileira”, pontua.
Novo atentado reacende alerta de violência contra mulheres negras na política
Na semana do primeiro turno das eleições deste ano, um novo caso de violência política ocorreu no Rio de Janeiro contra uma vereadora negra. A parlamentar Tainá de Paula (PT) sofreu um atentado a tiros no bairro de Vila Isabel, Zona Norte carioca. A vereadora saiu ilesa, mas o caso remonta ao crime, ainda sem solução, sofrido por Marielle.
“Esse atentado que ela sofreu recentemente foi gravíssimo. De pronto, nos solidarizamos com ela! Fiquei imensamente abismada com este episódio de violência política de gênero e raça e muito triste de ver que após o que aconteceu com a minha mãe, atentados assim continuam acontecendo contra outras mulheres negras na política”, comentou Luyara.