Brasil é pioneiro em gerar dados oficiais sobre LGBT+ na política, por Alciana Paulino, Beta Brandão, Carlla e Evorah Cardoso

Parada LGBTQIA+ da Lapa

Rio de Janeiro (RJ) 17/12/2023 – Participantes da 2ª Edição da Parada LGBTQIA+ da Lapa, que acontece pela visibilidade e direitos das pessoas trans. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

06 de novembro, 2024 Gênero e Número Por Alciana Paulino, Beta Brandão, Carlla e Evorah Cardoso

As eleições de 2024 foram históricas na luta do movimento LGBT+ por visibilidade, direitos, ocupação política e democracia. Pela primeira vez, sabemos oficialmente quantas disputamos as eleições. O Brasil se torna o primeiro país do mundo a produzir dados sobre presença LGBT+ na política.

Não deixamos de celebrar esse marco histórico, mas essa é uma chance de refletirmos sobre como a cidadania LGBT+ tem sido construída por caminhos alternativos. Sim, existimos. Mas para quem?

Tem sido um longo caminho para as LGBT+ serem reconhecidas oficialmente nos números do Estado, tão longo quanto o da nossa redemocratização inacabada. O reconhecimento ainda não veio pelo Censo, já que não sabemos quantas somos na população brasileira, mas sim pela Justiça Eleitoral.

E isso é sintomático do quanto as LGBT+ estão conseguindo conquistar a sua cidadania pelo Judiciário e não pela garantia de leis e políticas públicas amplas e contínuas.

Nas eleições de 2024, nos deram só um número, sem ainda dizer quem somos. Diferente dos tradicionais dados já coletados de raça e gênero (feminino e masculino), e até mesmo das conquistas recentes das identidades quilombola e etnias indígenas das candidaturas, a Justiça Eleitoral não divulgou em suas bases de dados quem são as candidaturas LGBT+, mesmo com o consentimento expresso para a divulgação de suas autodeclarações de identidade de gênero (cis ou trans) e orientação sexual (gay, lésbica, bissexual, pansexual, assexual e heterossexual).

A informação sobre quem era LGBT+ foi revelada de forma esparsa, nos perfis individuais das candidaturas na Justiça Eleitoral (DivulgaCand), mas não foi consolidada nas planilhas públicas do TSE (Portal de Dados Abertos).

Estávamos mais uma vez espalhadas na multidão, sem a possibilidade de sermos reconhecidas em dados. Recebemos poucos recursos? Tivemos muitos votos? E se quisermos conversar com as eleitas para saber quanta violência política sofreram?

Assim, novamente, foi a sociedade civil LGBT+ que teve de ir atrás da visibilidade das nossas. Enquanto os dados oficiais do TSE apontam para 3.232 candidaturas e 225 eleitas, 292 candidaturas se autodeclararam apenas para o VoteLGBT.

O cruzamento da nossa base com a da Justiça Eleitoral indica que, no total, 3.524 LGBT+ se candidataram e 250 foram eleitas no Brasil, mas só conseguimos rastrear o nome e o sobrenome de 3.170 candidaturas e 239 eleitas. Falta transparência ativa por parte do TSE.

Um longo caminho pela visibilidade nos números

Os dados sobre a população LGBT+ nas eleições de 2024 não vieram de graça, são fruto de muita incidência por parte da sociedade civil. Historicamente, ANTRA, ABGLT, Aliança Nacional LGBTI+ e, há 10 anos, também o VoteLGBT, nos dedicamos a cada eleição para encontrar uma a uma as candidaturas LGBT+ espalhadas pelo país.

Em 2018, conquistamos na Justiça Eleitoral, por meio de consulta pública feita ao TSE pela então senadora Fátima Bezerra, o nome social no título de eleitor. Passados seis anos, já são 41.537 pessoas que podem votar e ser votadas com sua identidade respeitada, mesmo sem ter retificado seus documentos. Nas eleições de 2024, 348 candidaturas disputaram com nome social.

Só em 2022, conseguimos no VoteLGBT, pela primeira vez, trabalhar com a autodeclaração das candidaturas que se cadastraram na nossa plataforma. Desde então, nos engajamos para que esses dados passassem a ser gerados oficialmente pela Justiça Eleitoral.

Em 2023, o VoteLGBT, em articulação com nossas LGBT+ do Congresso – Daiana Santos, Duda Salabert, Erika Hilton e Fabiano Contarato – entramos com outra consulta pública no TSE (que ainda não foi julgada) e contribuímos também com a audiência pública que, finalmente, aprovou novas regras para o cadastro de candidaturas: identidade de gênero e orientação sexual passariam a existir e seriam de preenchimento opcional.

Com sua luta silenciosa dentro dos partidos, lideranças LGBT+ também realizaram essa cobrança à Justiça Eleitoral, em aliança partidária inédita.

Mesmo com a conquista da coleta oficial pela Justiça Eleitoral, como encontrar quem são todas as candidaturas LGBT+, se não estavam consolidadas nas bases de dados do TSE?

VoteLGBT e ANTRA fizeram juntas uma busca ativa, ao longo de todo o ciclo eleitoral, das LGBT+ pré-candidatas até as eleitas. Uma equipe de 17 pessoas, espalhadas por todo país, ficou responsável por encontrá-las e convidá-las para se cadastrar na nossa plataforma. Foi assim que chegamos a LGBT+ que se autodeclararam para nós, mas não para o TSE.

Para descobrir as LGBT+ que se declararam para o TSE, fizemos uma raspagem de dados nos perfis individuais de todas as candidaturas do país (no DivulgaCand), extraindo automaticamente as informações disponíveis de identidade de gênero e orientação sexual. Mas os resultados desse trabalho arqueológico ainda não batem com os números totais divulgados pelo tribunal.

Dados oficiais importam muito para construir a nossa história. O contraste entre o que a sociedade civil conseguiu produzir sozinha, durante as eleições de 2020, com o que descobrimos em 2024, junto ao TSE, é impactante. Mas poderemos fazer muito mais: reconstruir retrospectivamente a nossa história na política.

A partir das LGBT+ autodeclaradas no momento presente, poderemos colocá-las no mapa das eleições anteriores. Quantas já tinham sido candidatas? Quantas se reelegeram? A quais cargos e em quais eleições? Com quantas eleições se faz uma LGBT+ eleita?

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