Fayda Belo: “A maioria das mulheres sofre violência no trabalho em silêncio”

26 de novembro, 2024 Meio&Mensagem Por Lidia Capitani

A advogada especialista em crimes de gênero analisa os impactos da violência contra as mulheres no ambiente corporativo

Os dados não mentem. Em 2022, mais de 200 mil mulheres sofreram algum tipo de violência no Brasil, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). No ano passado, a taxa de feminicídio aumentou 6,6%, chegando a 1.437, o maior número desde 2015. Outras agressões também tiveram aumento, como violência doméstica, ameaças, perseguição e stalking, violência psicológica e estupro. A violência de gênero, entretanto, não se restringe apenas ao ambiente doméstico, mas também se manifesta no trabalho.

Uma pesquisa do Think Eva revelou que 47% das entrevistadas afirmaram terem sido vítimas de assédio sexual no ambiente de trabalho. Delas, 52% eram mulheres negras e 49% recebiam entre dois e seis salários mínimos. Ou seja, a violência afeta as mulheres de forma desigual, em que marcadores sociais agravam a possibilidade de sofrerem assédios. Os impactos disso vão além das carreiras e da saúde das mulheres, e trazem consequências para as organizações e a economia.

Na entrevista a seguir, Fayda Belo, advogada especialista em crimes de gênero, direito antidiscriminatório e feminicídios, explora como essa violência se manifesta e os impactos na vida das mulheres, na economia e nas organizações. Além disso, aborda a responsabilidade das empresas em criar ambientes seguros e inclusivos e discute a importância da presença feminina nas lideranças para o combate à violência.

De que maneira a violência de gênero impacta a economia?

Sempre gosto de começar com um esboço histórico para entender de onde vem o que vivemos hoje e como podemos moldar o amanhã. O Brasil foi colonizado e, com isso, a Europa trouxe um modelo em que o homem era o líder e a mulher apenas um adereço, destinada a dar herdeiros. Junto com isso, veio a forte influência religiosa que moldou nossa cultura e as leis, definindo o papel da mulher na comunidade e em casa. E foi assim que nossa sociedade brasileira nasceu: por homens e para homens.

Claro, ao longo dos anos, houve avanços, mas é importante entender que essa hierarquia de gênero foi uma política pública. A violência de gênero também foi uma política de Estado. Não é simples, em 2024, encontrar uma solução mágica para esse problema, já que nosso País foi construído sobre essa ótica, e ainda hoje, carregamos resquícios disso.

No entanto, a mulher hoje tem a possibilidade de ocupar espaços no trabalho e na liderança, mas eles não foram construídos para ela. A sociedade ainda carrega estereótipos de gênero sobre o que é um lugar de homem e um lugar de mulher, e o mercado de trabalho e os postos de liderança, infelizmente, ainda são vistos como espaços de homens.

Por isso, muitas mulheres que ocupam esses cargos acabam reproduzindo comportamentos masculinos. Elas pensam que, se não agirem como homens, não serão respeitadas ou perderão o espaço. Isso acaba gerando uma violência constante contra a mulher, mesmo quando ela ocupa esses lugares. E a violência de gênero não impacta apenas a mulher individualmente.

Um estudo da Fiemg (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais) mostrou que, em 10 anos, a violência de gênero pode impactar o PIB do Brasil em 214 bilhões de reais. Não estamos falando apenas de uma questão ética ou social, mas econômica, que afeta a produtividade das empresas, pois uma pessoa que sofre violência não consegue produzir como deveria.

O trabalho, para muitas mulheres, é uma extensão de sua casa, já que muitas passam mais tempo nele do que em casa. E quando falo “extensão da casa”, é importante lembrar que a violência não se resume à violência doméstica. O homem abusivo e misógino que existe dentro de casa também tem um emprego e, muitas vezes, reproduz a mesma violência que exerce em casa no ambiente de trabalho.

Não podemos colocar essa questão apenas no colo do poder público. A violência contra a mulher é uma responsabilidade compartilhada, que afeta todos os setores, não somente as casas ou o judiciário, mas também as organizações. Enquanto ignorarmos isso, as mulheres seguirão perdendo dinheiro e oportunidades.

Quais as formas de violência de gênero que podem existir no ambiente de trabalho? Como ela se manifesta?

O espaço de trabalho não foi idealizado para o corpo da mulher, e por isso ela não é vista como uma pessoa competente, como alguém que está ali porque pode, deve e tem a bagagem para ocupar esse espaço. Essa violência se manifesta de diversas formas, sendo muitas vezes crimes contra a honra, como injúrias, palavras de baixo calão sobre sua aparência, corpo, família e vida íntima. Essas ofensas visam sempre atacar a reputação da mulher, porque, no Brasil, historicamente, a mulher considerada desonesta não tinha sequer direito ao amparo do judiciário. Esse conceito estava na lei até 2005, quando o termo “mulher honesta” foi removido do código criminal. Estamos em 2024, e, apesar disso, as ofensas ainda têm como alvo a honra da mulher, para impedi-la de exercer livremente seu trabalho.

Além disso, sabemos que o assédio moral acontece diariamente em muitas empresas e em diversos espaços, afetando tanto homens quanto mulheres. No entanto, no caso das mulheres, as violências são frequentemente realizadas de maneira a fazê-las adoecer e sair do emprego, como se fosse uma réplica da ideia de que elas suportam menos. Isso inclui a violência psicológica, que, embora muitas pessoas a associam apenas à violência doméstica, é um crime no contexto geral, inclusive no ambiente de trabalho.

A violência psicológica é caracterizada por qualquer ação que cause dano emocional à mulher, que invada sua autonomia, retirando-lhe o direito de escolha, de resposta e de fala. Isso é o que acontece: a mulher é tratada de tal maneira que perde a coragem de expor suas opiniões naquele ambiente. Quando compartilha suas ideias, ela é rechaçada, humilhada, constrangida, algo que não acontece com os homens.

Acesse a entrevista no site de origem.

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