Em 2023, o número desses crimes bateu recorde, foram mais de 4 vítimas por dia; especialistas mostram que o caminho para salvá-las deve ser outro
Cerca de 70% das vítimas dos feminicídio registrados no primeiro semestre deste ano foram mortas dentro de casa, segundo dados do Instituto Sou da Paz. A maioria dos assassinos eram companheiros ou ex-companheiros, que mataram essas mulheres por serem mulheres, conforme a definição de feminicídio das leis e da justiça.
O número de feminicídios bateu recorde em 2023, foram 1463 mortes, equivalente a mais de 4 vítimas por dia. As informações do Fórum de Segurança Pública mostram ainda que a maioria das mulheres assassinadas são negras.
Integrantes do Ministério Público do Distrito Federal analisaram boletins de ocorrência registrados por mulheres antes de seus assassinatos, para entender em qual contexto um feminicídio acontece. A publicação de 2021 mostra que os crimes aconteceram após episódios de ciúme excessivo, ameaças, separação ou tentativa de rompimento, e de agressões.
A conclusão é que essas mulheres já sofriam violência doméstica e familiar e suas mortes poderiam ter sido evitadas – caso uma intervenção tivesse sido feita a tempo.
Penas mais duras são uma solução?
A pena para feminicídio aumentou este ano. Antes o criminoso podia ser punido com 12 a 30 anos de prisão, agora o assassino pode ficar de 20 a 40 anos recluso. Para especialistas em direito das mulheres essa não é a medida mais efetiva. “A punição por si só não é pedagógica. Ela [a punição] não consegue fazer a sociedade entender que determinadas condutas problemáticas não podem ser reproduzidas na sociedade”, defendeu Juliana Borges, autora do livro “Encarceramento em Massa”, da coleção Feminismos Plurais, nessa reportagem.
O termo ‘punitivismo’ é atribuído ao criminologista Anthony Bottoms. Na década de 90, ele escreveu um artigo sobre o comportamento de políticos que defendiam determinadas penas. Bottoms observou que as medidas que se mostravam mais efetivas (para transformar o contexto social em que os crimes aconteciam) eram trocadas por aquelas que tinham mais apelo entre os eleitores.
Dessa forma, os grupos de reflexão e responsabilização previstos na Lei Maria da Penha (LMP) são considerados uma alternativa mais eficaz que o encarceramento.
Uma análise com 69 homens que participaram de Grupos Reflexivos sobre Gênero e Violência Doméstica aponta que, após seis meses, o índice de reincidência foi de 8%. A média nacional, sem a participação em ações semelhantes, gira em torno de 20%. Em alguns estados chega a 80%, conforme dados da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
Especialistas em direito das mulheres levantam outra ponderação: no punitivismo, o cuidado da vítima também é esquecido. Já que o foco está – apenas – em encarcerar o assassino. E, em alguns casos, isso não é suficiente para elas sentirem que a justiça foi feita. “Ser escutada e considerada são partes fundamentais para ela se sentir capaz de ter uma vida minimamente satisfatória”, contribui Débora Eisele Barberis nessa reportagem.