Ao decidirem maternar, mulheres são obrigadas a carregar expectativas coletivas
Receber pitacos e opiniões não solicitadas é parte da experiência de muitas mulheres que são mães. Os comentários são muitos: sobre a escola que escolheram, a linha de educação, a forma de oferecer os alimentos, se trabalham fora ou não, etc.
Se antes, familiares invasivos e uma vizinhança enxerida já causavam desconforto, agora, com as redes sociais, as intromissões ganharam um status público e mais intenso. Assim, momentos que deveriam ser de celebração – como o anúncio de uma nova gravidez ou o nascimento de um filho – são transformados em situações que têm como finalidade constranger, cobrar e intimidar.
A cultura de opinar nas escolhas de quem materna pode gerar sentimentos de culpa e insegurança, causando impactos negativos na saúde mental dessas mulheres. O comportamento é tão corriqueiro e reconhecido socialmente que já recebeu até nome: mom-shaming.
Lua Barros, mãe de quatro filhos, e especialista em educação parental, conta que o primeiro filho foi celebrado, o quarto, não. “As pessoas querem saber como vou criar aquele filho, como é que eu vou pagar o plano de saúde, se eu paguei o parto de todo mundo, se eu uso SUS”. E Lua ouviu: ‘Nossa, mas você queria? Que louca!’.
Algumas pessoas ainda usam pautas sociais, como a defesa ao meio ambiente – alegando que julgam a decisão dessas mulheres porque estão preocupadas com a “superpopulação” do planeta.
“Eu acho que essa ideia é muito neoliberal. Como se tivesse no indivíduo a capacidade de resolver todos os problemas do mundo, sabe?”, questiona Lua Barros. E esses julgamentos, na opinião dela, deslegitimam a vontade, o desejo da mulher, da família, de ter o filho, de gestar, ou de cuidar de uma criança.
Salvar o mundo não cabe às mulheres
A dona de casa Eliana Conceição, de 47 anos, tem 7 filhos. Quando ela saía de casa com as crianças, o povo comentava: “Não tem TV em casa, não?”; “Fica fazendo filho pra depois passar fome, indo na casa dos outros pedindo ajuda”. Violências verbais que também a perseguiram no celular. “Me perguntavam o que eu queria da vida pra criar tanto filho”.
Neuropedagoga, educadora parental e autora de livros sobre o assunto, Maya Eigenmann chama a atenção para a manipulação dos problemas estruturais – a exemplo da desigualdade social – para culpabilizar e castrar o desejo da maternidade de algumas mulheres. Como se por serem pobres, não pudessem ter filhos. “Elas são muito julgadas, mas quem é que está dando suporte? Quem está falando sobre prevenção de gestação?”.
AzMina publicou uma reportagem sobre as decisões que mães tomam a partir da ansiedade climática e como esse fenômeno tem levado mulheres a repensar a ideia de ter filhos.
A taxa de natalidade brasileira (número de nascidos vivos em um ano a cada mil habitantes) está em queda desde a pandemia. Segundo projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), baseadas no censo realizado em 2022, a população brasileira pode parar de crescer a partir de 2041, o número de nascimentos tende a cair ano após ano. A mesma pesquisa também revelou que em 2070 seremos menos de 200 milhões de brasileiros.
Os números refletem os desafios de maternar, já que os estímulos negativos são muitos. Para além dos julgamentos, existem preocupações com a maternidade solo, a falta de uma rede de apoio, perda do emprego e problemas sociais que afligem mulheres de diversas realidades. Fazer o que quer não é um privilégio para mulheres, muito menos para as mães.
Por trás das decisões, além das opiniões
Samela Sateré Mawé, indígena, bióloga, ativista ambiental e comunicadora, estava em uma etapa muito boa da sua vida. Tinha muitas oportunidades de trabalho, uma boa situação financeira, foi promovida para um novo cargo com muitas viagens para fora do país. E quando engravidou logo veio a sentença: “Agora sua vida vai parar! Você não vai poder mais viajar por conta do bebê!”
Mas os povos indígenas celebram os nascimentos e não os botam na conta dos desastres naturais. “A gente trata uma nova criança indígena como uma questão de resistência. O Wynoã não nasceu num mundo de flores. A gente vive na luta, então ele é mais um guerreiro que vem pra lutar também contra a crise climática”.
Por outro lado existe a geração ‘NoMo’, abreviação do termo No Mothers, ou ‘Não Mães’ em português, mulheres que decidiram não ter filhos por conta de fatores financeiros e sociais. Elas foram tema de um vídeo d’AzMina no canal do YouTube.
O medo de cuidar sozinha de um filho é um dos motivos do movimento existir. E a maternidade solo é uma realidade muito frequente. Segundo a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), mais de 170 mil crianças não receberam o nome do pai entre agosto de 2022 a julho de 2023 no país.
Lua Barros, em um dos atendimentos, ouviu o relato das dificuldades de uma mulher que desejava ter o terceiro filho. “Ela estava se debatendo com essa ideia de ‘ninguém mais querer ter três filhos’, e ‘o que vão pensar de mim se eu engravidar, a minha condição financeira não é tão boa assim’”. Essa mulher também se sentia muito julgada até pelas amigas. Lua conta que ela precisou fazer um trabalho emocional para dar conta de encarar a terceira gestação, então engravidou.