Mapeamento apontou um aumento de 160% entre 2020 e 2024, alcançando 26 estados e o Distrito Federal
As mulheres indígenas de diferentes povos e regiões estão unindo forças na luta pela demarcação de suas terras, garantia de direitos e preservação ambiental no Brasil. Esse movimento é revelado pelo recém-lançado Mapa das Organizações das Mulheres Indígenas: o número de entidades criadas por elas cresceu cerca de 160% em todo o país, indo de 92 para 241 entre 2020 e 2024.
As organizações de mulheres indígenas estão presentes nos 26 estados e no Distrito Federal, marcando espaço nos seis biomas brasileiros: Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pantanal e Pampa. O mapeamento feito pelo Instituto Socioambiental (ISA) e pela Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga) mostra que elas se reúnem em diferentes formatos: coletivos, movimentos, comissões, associações, institutos, entre outros.
As mulheres indígenas – cujas ancestrais estavam aqui antes mesmo do Brasil ganhar esse nome, e hoje representam 50,8% das 1.693.535 pessoas indígenas que residem no país – são as homenageadas d’AzMina neste dia 8 de Março de 2025.
Falamos com cinco entidades de mulheres indígenas de várias partes do Brasil para saber sobre as suas lutas. Elas não esquecem as causas que mobilizam todos os povos originários – como o combate ao marco temporal e a busca pela demarcação de seus territórios -, mas trazem especialmente os desafios adicionais enfrentados pelas mulheres originárias.
Quando pensamos em questões de gênero, um dado que chama a atenção é a violência doméstica entre as mulheres indígenas, seja dentro das suas aldeias ou nos meios urbanos. Um relatório do Ministério dos Povos Indígenas, em parceria com a Universidade Federal do Paraná (UFPR), revela que 394 feminicídios de mulheres e adolescentes indígenas foram registrados entre 2003 e 2022.
Tradução auxilia no acesso à Lei Maria da Penha
A proteção das mulheres e meninas é a causa central da Associação de Mulheres Indígenas do Oeste de Santa Catarina (Amioeste). A entidade derrubou barreiras linguísticas para a compreensão da Lei Maria da Penha, participando da tradução para as línguas kaingang e guarani. O trabalho começou antes mesmo da entidade ser oficialmente criada, quando Sandra Kaingang, atual presidente da Amioeste, integrava o Conselho Estadual dos Povos Indígenas de Santa Catarina (Cepin-SC).
O projeto desenvolvido em parceria com o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) contempla as línguas faladas por dois dos três maiores povos indígenas do Brasil. Os guaranis lideram o ranking populacional indígena, com cerca de 60 mil pessoas, enquanto os kaingang ficam em terceiro lugar, com mais de 37 mil.
Nas rodas de conversa e fóruns que antecederam a criação da Amioeste, lideranças kaingang, xokleng e guaranis contavam histórias de abuso e violência psicológica. Sandra viu isso acontecer com uma conselheira da Cepin-SC. “Quando a gente tá de acordo com tudo que os homens falam e fazem, tá tudo bem. Mas no momento que você se posiciona a favor do interesse das mulheres, a pressão vem pra cima de ti.”
Ela vive em um cenário mais favorável na terra indígena Toldo Imbu, mas ainda assim teve de vencer a resistência do marido para coordenar a tradução da Lei Maria da Penha para o kaingang. Na época, ele era o cacique, então Sandra mostrou o quanto seria positivo que ele fosse associado a essa iniciativa. E ela completou: “Você falou que eu tinha de valorizar aquilo que eu sei fazer, aquilo que eu sei falar, que é a minha língua.”
Mulheres brigadistas atuam na proteção do Cerrado
Geração de renda é outro ponto de vulnerabilidade para as mulheres indígenas. Na tentativa de reverter essa situação, a Associação das Mulheres Indígenas Xerente, de Tocantins, criou a primeira brigada de incêndio formada somente por mulheres indígenas. Uma forma de buscar remuneração e também ajudar a proteger o Cerrado, bioma onde vivem, das queimadas.
Mais de 30,8 milhões de hectares foram queimados no Brasil entre janeiro e dezembro do ano passado, segundo a plataforma Monitor do Fogo, do MapBiomas. O Cerrado foi o segundo bioma mais atingido, com 9,7 milhões de hectares queimados. A Amazônia ficou em primeiro lugar: 17,9 milhões de hectares foram consumidos pelo fogo ao longo de 2024.
A brigada feminina foi formada em 2021 com 29 voluntárias, incentivadas pela contratação de homens indígenas brigadistas pelos poderes públicos. Vanessa Xerente conta que a equipe recebeu treinamento do Serviço Florestal dos Estados Unidos e reconhecimento do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas).
A remuneração pelos serviços de combate a incêndio e educação ambiental chegou para poucas integrantes e por tempo limitado, mas elas persistem. Vanessa deixou a brigada após entrar na faculdade de Gestão Pública, pois não restava tempo disponível. Quinze mulheres continuam na brigada, trabalhando de forma totalmente voluntária.
“Os incêndios são muitos e a gente não consegue ficar de braço cruzado vendo os brigadistas tentando proteger o território”, afirma Vanessa. Ela lamenta apenas que a brigada não tenha virado uma possibilidade de renda para as mulheres do território Xerente. Elas continuam se dedicando ao artesanato com capim dourado e fita de buriti, mas ganham pouco. Sem políticas públicas de apoio à artesania indígena local, acabam vendendo suas peças para atravessadores.