Em resposta ao polêmico artigo de Mariliz Pereira Jorge “O feminismo errou”, Fabiane Albuquerque desmonta a hipocrisia de culpar o feminismo pela violência masculina.
“O feminismo errou ao excluir os homens do debate que vem sendo promovido na última década”. Esta é a primeira afirmação aberrante da autora do texto publicado na Folha de São Paulo. Ora! O Feminismo não é uma entidade de assistência social, não tem um CNPJ, tampouco uma pessoa que responda por ele, pois se trata de uma postura política de mulheres no mundo, contra a dominação masculina. E, existem vários ao redor do mundo, do Congo à França, dos Estados Unidos ao Brasil, da Nigéria ao México, das mulheres negras às indígenas.
Dito isto, se alguém errou, não foi o Feminismo, este ser abstrato que não se pode tocar, mas que leva a culpa por tudo e todos, como os masculinistas que se sentem oprimidos, as Mulheristas Africanas brasileiras, que acham que lutar por igualdade de gênero é coisa de ocidental e colonizador, até a jornalista Mariliz, que nem bagagem tem para um texto menos clichê.
Mariliz está mais para uma mulher machista, do que para alguém que compreende a luta das mulheres no mundo inteiro. Na sua cabeça, o patriarcado, sistema de opressão de mulheres, o sexismo, o machismo, a misoginia, posturas incorporadas por homens socializados neste sistema, se resolvem com debates, conscientização dos homens e, claro com a inclusão por ninguém mais, ninguém menos, que as próprias mulheres.
Homens não precisam ser incluídos, a sociedade é deles, sobretudo brancos e ricos. Quanta ingenuidade ou falta de noção!
A dominação masculina, as violências físicas, psicológicas, simbólicas e materiais, não se transforma com a educação dos machos, estamos falando de poder sobre corpos de mulheres. E, não tem educação que faça um homem que tomou consciência que a violência, a objetificação, a chantagem e o controle, o beneficia, a mudar de ideia.
É como se os pobres incluíssem os ricos sobre justiça social, distribuição de renda, ou os negros aos brancos, quando lutam contra o racismo. Afinal, dominação se resolve com a inclusão dos opressores e muito debate, não é mesmo? É preciso que outros valores sejam mais fortes que o gosto pelo poder para a renúncia deste lugar que subjuga o outro.
E, quando falo em poder, homens pobres e racializados, já se sentem fora da questão. A violência de gênero é demonstração de poder, os insultos crescentes nas redes sociais, as cantadas nas ruas, as passadas de mão no corpo de mulheres no transporte público, até os inúmeros casos de feminicídio: “eu decido que você deve morrer”, são demonstrações de poder, não um problema de caráter ou de falta de educação, como tentam nos inculcar.
Aí, a “fada consciente”, que diz compreender “que haja raiva e ressentimento por séculos de opressão e desigualdade, mas não se faz revolução sozinho”, colocou nos nossos ombros outro fardo, aquele de educar o gênero masculino.
E não é verdade que não estamos fazendo. Temos filhos, pais, maridos, amigos, colegas de trabalho e, a hostilidade com que somos tratadas, todas as vezes que levantamos algum debate sobre posturas machistas, só demonstra o quão longe da realidade está Mariliz.
Beatriz Nascimento, grande nome da luta negra no Brasil, foi assassinada porque aconselhou uma amiga, vítima de violência, a deixar o companheiro. É este o nível do debate com homens que a autora desconhece ou finge desconhecer.
Rita Segato no livro Cenas de um pensamento incômodo diz que:
“a masculinidade tem, em linhas gerais, a estrutura organizacional de uma corporação, assim como são também corporações as máfias, as forças policiais, os grandes conglomerados econômicos, todas as forças militares e o Poder Judiciário. Duas características essenciais confirmam que a fraternidade masculina é uma corporação replicada em outras estruturas de poder e de prestígio: a lealdade ao grupo corporativo é o valor supremo ao qual todos os outros valores estão subordinados, e seu ordenamento interno é estritamente hierárquico e autoritário”.