Desarmar para existir: notas sobre ser mulher entre mulheres, por Bárbara Li Sarti

08 de abril, 2025 Portal Catarinas Por Bárbara Li Sarti

O imaginário feminino construído nas figuras da vilã e da mocinha provoca a comum sensação de culpa entre mulheres.

No meu último texto aqui, eu trouxe um relato que tocava no tema da rivalidade feminina e o que aconteceu nos comentários do post foi a própria manifestação desta rivalidade. Para compreender este, leia o texto anterior. Vamos olhar para o porquê uma iniciativa de romper com a competição feminina foi interpretada, por algumas pessoas, como a competição em si.

Ainda que tenhamos centenas de páginas à disposição, não é possível transmitir a integralidade de uma história para aquele que não a viveu. Quem ouve uma história, preenche os espaços em branco com aquilo que traz consigo.

Em contrapartida, quando contamos uma história, ela já não é mais nossa; a história que se conta é de livre interpretação de quem ouve. Sem querer pegar de volta a história que já foi dada pelo desgosto de como foi ouvida em certos casos, vamos aproveitar a oportunidade para pensar o que isso pode dizer sobre dinâmicas de competição entre mulheres.

Quando contei sobre uma atitude de persistência, deixei o espaço em branco da maneira como essa atitude foi feita. Algumas pessoas preencheram este espaço imaginando uma insistência-ataque, sem cuidado e violenta nos gestos. Para elas, não foi possível imaginar a possibilidade de uma insistência cautelosa, com tato.

Ao contar sobre uma “roda de amigos”, houve interpretações de uma roda de amigos exclusivamente da moça do relato que, ao adentrar, eu estaria ferindo um espaço privado, descartando a possibilidade de que fosse uma roda de amigos mista, meus e dela.

O motivo da insistência, para alguns olhares, foi autoafirmação, ou a tentativa de resolver um incômodo egóico de não ter a atenção de alguém e procurar arrancar à força. Olhares que descartaram a possibilidade de que, diante de uma postura hostil, alguém quisesse desfazer o clima de oposição porque, no contexto poliamoroso, seria mais propício para que as relações não se prejudicassem ou excluíssem mutuamente.

Quando contei sobre uma atitude de insistência, deixei alguns espaços em branco. Algumas pessoas preencheram estes espaços imaginando uma insistência-ataque, sem cuidado, violenta nos gestos e motivada por autoafirmação ou pelo incômodo egóico de não ter a atenção de alguém e tentar arrancar à força. Não conceberam uma insistência cautelosa, com tato, em uma roda de amigos mista, meus e dela, com o objetivo de desfazer o clima de oposição porque, no contexto poliamoroso, seria mais propício para que as relações não se prejudicassem ou excluíssem mutuamente.

Isso demonstrou o quanto, às vezes, podemos esperar o pior umas das outras. Armadas para atacar e se defender. Quando o pior é uma certeza, ataque e a defesa se automatizam e não há chances para outras histórias, senão nossas certezas. Em contrapartida, se eu estou pronta para a briga e vejo quem supostamente seria o oponente arriscar se desarmando, isso pode me fazer sentir segura o suficiente para me desarmar também. Confiar em outras histórias possíveis.

A psicóloga Mayara Ferreira fala no podcast Amores Possíveis sobre o imaginário feminino construído nas figuras da vilã e da mocinha que muito se vê representado nos filmes da Disney. A mocinha, ou heroína, é inteiramente boa, pura, digna, e todo o mal que lhe acontece vem de outra mulher, por exemplo, uma madrasta perversa. A mocinha-heroína é, em outras palavras, a fantasia da mulher perfeita que traz consigo apenas virtudes. Ela consegue achar o ponto perdido entre ser corajosa, mas nunca petulante; esperançosa, mas não ingênua; amável, mas não boba; autoconfiante, mas não arrogante. Na estreiteza deste ponto, não há lugar para a pessoa.

Para ser a heroína, é preciso não ser a vilã, ou seja, é preciso depositar o mal em outra. Se comparar e se opor.

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